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Coluna | Adolfo Suárez

O que é liberdade?

A liberdade é tema presente em toda a Bíblia. Mas o que ela significa a partir da ótica de Ellen White?


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Deus deu ao ser humano a liberdade para fazer as próprias escolhas (Foto: Shutterstock)

Liberdade é um conceito e prática fundamentais para o ser humano. Afinal, todos queremos ser livres e promover a liberdade. Mas o que é liberdade? Vamos explorar brevemente alguns norteadores da noção de liberdade à luz do pensamento de Ellen G. White.

A liberdade não é iniciativa e nem propriedade humanas

Um ponto de partida sugestivo na abordagem whitena da liberdade é sua compreensão de que a liberdade não é uma possesão humana; a liberdade é um chamado divino: é Deus quem convida para uma vida de liberdade.[1] E mais do que apenas convidar, Deus deseja a liberdade do ser humano,[2] sendo por isso capaz de agir em favor de sua libertação.[3] De acordo com White, essa iniciativa divina na liberdade do ser humano pode ser percebida desde a criação: 

Nossos primeiros pais, se bem que criados inocentes e santos, não foram colocados fora da possibilidade de praticar o mal. Deus os fez como entidades morais livres, capazes de apreciar a sabedoria e benignidade de Seu caráter, e a justiça de Suas ordens, e com ampla liberdade de prestar obediência ou recusá-la.[4]

Alguns poderiam pensar que, em razão da liberdade ser um convite de Deus, o ser humano estaria constamente sob o risco de uma tirania, ou, ao menos, de uma preocupante teocracia. Todavia, Ellen White entende que não há autoritarismo por parte de Deus, pois o seu desejo não é arbitrário; afinal, Ele se deixa limitar pela negativa humana de não querer a liberdade.[5]

Ao que parece, a noção whitena de liberdade – como não sendo iniciativa e nem propriedade humanas – contraria o conceito convencional de liberdade positiva que é entendida como controle pessoal sobre a própria vida, ou governo de si mesmo.[6] Isto, porém, não significa que Ellen White negue a importância e a autonomia do indivíduo no processo da liberdade, como veremos a seguir.

O ser humano como entidade moral livre

Um segundo aspecto importante na abordagem whitena da liberdade é que Deus criou o ser humano como entidade moral livre; o ser humano fora criado como “livre agente moral”.[7] De fato, “todo indivíduo, desde o mais humilde e obscuro até ao maior e mais exaltado, é um agente moral”,[8] o qual, por livre, pode obedecer ou desobedecer.[9]

Ser um agente moral livre é necessário para alcançar dois objetivos fundamentais: Obediência voluntária e desenvolvimento do caráter. Em contrapartida, a ausência de liberdade tornaria o ser humano um simples autômato, carente da capacidade de escolha. É justamente porque somos entes morais livres que Deus dá a toda pessoa “liberdade de pensar, e seguir suas próprias convicções”.[10]

A preocupação de Deus pela liberdade humana não excluía a pronta e perfeita obediência. Entretanto, não havia obrigatoriedade.

A necessidade da liberdade

Um terceiro aspecto importante sobre a temática da liberdade nos escritos whiteanos é a necessidade da liberdade. De acordo com Ellen White, antes da queda Adão e Eva desfrutavam de plena liberdade, pois “sua natureza estava em harmonia com a vontade de Deus”.[11] Além do mais, eles eram santos e felizes, “tendo a imagem de Deus, e estando em perfeita obediência à Sua vontade”.[12]

Todavia, após o pecado, o ser humano “já não podia encontrar alegria e prazer na santidade, e procurou se esconder da presença de Deus”.[13] Antes livre, agora prisioneiro. O ser humano tornara-se escravo. “Pela transgressão”, diz Ellen White, “tornam-se os filhos dos homens sujeitos a Satanás”.[14] A ação do pecado, a transgressão, manifesta-se “enfraquecendo a mente e destruindo a liberdade da alma”.[15] Assim sendo, a escravidão do pecado torna necessária a libertação do ser humano. De modo que foi justamente por ser criado livre – como agente moral livre[16] – que houve a possibilidade do pecado, da desobediência. Em outras palavras, a liberdade permite o erro e a escravidão, que exige liberdade; isso constitui o aspecto paradoxal da liberdade concedida por Deus.

O ser humano teria, então, apenas duas opções: “liberdade em Cristo, ou servidão e tirania no serviço de Satanás”.[17] Diante de uma possível vida de escravidão, surge a necessidade de libertação, que carrega consigo o reconhecimeno da impotência, pois, segundo Ellen White, “é-nos impossível, por nós mesmos, escapar ao abismo do pecado em que estamos mergulhados”;[18] assim, não “basta desenvolver o bem que por natureza existe no homem”,[19] sob pena de tornar-se prisioneiro de suas limitações e desejos.

O papel de cristo na liberdade humana

Há um quarto aspecto que deve ser considerado na temática whiteana da liberdade, e tem a ver com o papel fundamental de Cristo, o qual, segundo Ellen White, tem prazer em trabalhar pela liberdade humana.[20] E sendo que o ser humano não tem poder para libertar a si mesmo, depende completamente dEle.[21] Creio que este quarto aspecto é a consequência dos três elementos anteriores por mim sugeridos como norteadores na noção whiteana de liberdade, pois a liberdade é, acima de tudo, um empreendimento espiritual, possibilitado por Cristo.

Para Ellen White, Cristo era perfeitamente livre, agindo com “perfeita liberdade”. Por causa disso, “foi um perfeito modelo daquilo que devemos ser”.[22] Além do mais, Cristo humilhou-se pela liberdade humana[23] com o intuito de “proclamar liberdade aos cativos de Satanás”.[24]

E como o ser humano pode usufruir dessa liberdade por Ele possibilitada? É “fazendo-se um com Cristo” que o ser humano “é tornado livre”.[25] É na Sua presença que o ser humano anseia pela autêntica liberdade.[26] Em outras palavras, tornar-se um com Cristo (pela comunhão) é “a única condição em que é possível o libertamento do homem”.[27] A presença permanente de Cristo traz liberdade.[28] Esta presença enche o ser humano de amor, que possibilita desfrutar a liberdade.[29] Como resultado, ocorre algo interessante, pela paradoxalidade: a comunhão aproxima o ser humano de Cristo, libertando-o, e é justamente essa liberdade que permite uma comunhão direta com Deus.[30]

Obedecemos porque somos livres; e somos livres quando obedecemos

O conceito de liberdade, no pensamento de Ellen White, pode ser sintetizado da seguinte maneira: considerando que Deus é amor, a liberdade consiste no cumprimento da vontade de Deus, a qual é compreendida como a obediência a Ele. A liberdade se manifesta na obediência aos preceitos de Deus, pois o ser humano é livre quando obedece, mas também obedece porque é livre; afinal, ele foi criado como um agente moral livre. No entanto, esta obediência não consiste em mero cumprimento da norma, e não ocorre por imposição arbitrária. Porque se obedece a Deus, que é amor, a concretização da liberdade ocorre no serviço a Ele e ao próximo, motivado pelo amor que nasce no coração do Pai e habita em nosso coração.


Referências:

[1] WHITE, Ellen G. “Rest in Christ”, in Signs of the Times, 17 de março de 1887.

[2] WHITE, Ellen. Steps to Christ, p. 43.

[3] WHITE, Ellen. Steps to Christ, p. 34.

[4] WHITE, Ellen. Patriarchs and Prophets, p. 48.

[5] WHITE, Ellen. Steps to Christ, p. 34.

[6] AUDI, Robert. Editor. The Cambridge Dictionary of Philosophy. Cambridge, NY: Cambridge University Press, 1999, p. 632.

[7] WHITE, Ellen G. “The Character of the Law of God”, in The Sings of the Times, 15 de abril de 1886.

[8] WHITE, Ellen G. “The use of Talents”, in The Review and Herald, 1º de maio de 1888.

[9] WHITE, Ellen G. The Sanctified Life, p. 76.

[10] WHITE, Ellen. The Desire of Ages, p. 551.

[11] WHITE, Ellen G. Patriarchs and Prophets, p. 45.

[12] Idem.

[13] WHITE, Ellen. Step to Christ, p. 17.

[14] WHITE, Ellen. Steps to Christ, p. 15.

[15] WHITE, Ellen. The Desire of Ages,p. 466

[16] WHITE, Ellen G. Patriarchs and Prophets, p. 331 e 332.

[17] WHITE, Ellen G. Exaltai-O. Meditações Matinais de 1992. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1991, p. 99.

[18] WHITE, Ellen G. Step to Christ, p. 18.

[19] Ibidem, p. 19.

[20] WHITE, Ellen.Gospel Workers, p. 516.

[21] WHITE, Ellen. Last Day Events. Boise, Idaho: Pacific Press Publishing Association, 1992, p. 69

[22] WHITE, Ellen.Carta 66, 1878, citada em Nos Lugares Celestiais, Meditações Matinais de 1968. Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1968, p. 54.

[23] WHITE, Ellen.“Unidade, Uma Prova de Discipulado”. In Manuscrito 165, de13 de dezembro de 1898, citado em Este Dia com Deus, Meditações Matinais de 1980. Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1980, p. 354.

[24] WHITE, Ellen. Counsels on Health, p. 30.

[25] WHITE, Ellen. The Ministry of Healing, p. 131.

[26] Ibidem.

[27] WHITE, Ellen.The Desire of Ages, p. 466.

[28] WHITE, Ellen. “Accepted in the Beloved”, in Review and Herald, 15 de outubro de 1908.

[29] WHITE, Ellen. Nos lugares Celestiais, Meditações Matinais. Santo André: Casa Publicadora Brasileira, 1968, p. 142.

[30] Ibidem, p. 153.

Adolfo Suárez

Adolfo Suárez

Ouvindo a voz de Deus

Reflexões sobre teologia e dom profético

Teólogo e educador, é o atual reitor do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia (SALT) e Diretor do Espírito de Profecia da DSA. Mestre e doutor em Ciências da Religião, com pós-doutorado em Teologia, é autor de diversos livros, e membro da Adventist Theological Society e da Society of Biblical Literature.