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Big Bang e o atual debate fé e ciência

Reflexões de um especialista e doutor em cosmologia sobre a relação do modelo chamado Big Bang e aspectos bíblicos.


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O que cristãos, que acreditam no relato bíblico do Gênesis, precisam entender em relação ao Big Bang dentro da ideia da Teoria Geral da Relatividade e pesquisas sobre o tema? (Foto: Shuttestock)

Quando a questão é a origem de tudo, o interesse é generalizado. Isso se deve porque a pergunta: “de onde viemos?” permeia a mente de todos, indistintamente. Contudo, algo interessante a se pensar é que até o início do século passado a visão acadêmica possuía um consenso de que o cosmo não teve uma origem, mas era eterno e imutável.

Foi somente com o desenvolvimento de técnicas especiais da astronomia e a formulação de uma das mais bem sucedidas teorias da física é que foi desenvolvido um modelo para a origem e evolução do universo. Devido à relevância dessa questão, a filosofia e a religião, especialmente o cristianismo, foram profundamente impactadas por essa mudança de paradigma. E, por isso, o presente artigo propõe trazer alguns esclarecimentos e reflexões sobre o Big Bang e sua relação com a fé cristã.

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­Modelo explicado

A formulação do modelo do Big Bang ocorre por dois caminhos distintos que vão convergir no futuro. O primeiro deles é o técnico/observacional. E que começa com uma descoberta de Vestor Slipher (1875-1969), em 1912. Sua conclusão foi a de que, analisando a luz emitida por um objeto luminoso do céu, podemos descobrir se ele está se afastando ou se aproximando de nós; e com qual velocidade, o que permitiria saber a velocidade radial das galáxias, estruturas gravitacionais que reúnem milhões a trilhões de estrelas, junto a gás e poeira.

No mesmo ano, Henrietta Leavitt (1868-1921) propõe usar a medição da variação do brilho de estrelas especiais, chamadas cefeidas, para estimar sua luminosidade intrínseca. E, desta forma, ao comparar essa com a luminosidade observada, era possível medir a distância da estrela até nós. Estava construído o caminho da técnica observacional necessário para expandir nossa exploração do cosmo.

Do ponto de vista teórico, no ano de 1916 Einstein (1879-1955) descobre uma lei física que descreve a gravidade como uma deformação no tecido do espaço-tempo, o espaço de quatro dimensões formado pelas três dimensões do espaço e uma do tempo, a Teoria da Relatividade Geral (TRG). Apesar de ser algo contraintuitivo, é uma das teorias mais bem testadas já formuladas pelo homem. Até o sistema do GPS dos celulares faz uso dessa teoria. E, nos últimos anos, dois prêmios Nobel foram dados para a confirmação de previsões da TRG; um para a detecção de ondas gravitacionais e outro para a previsão da existência dos buracos negros.

Importância da Teoria da Relatividade Geral

A importância fundamental da TRG para o Big Bang é que ela aplica os postulados da Teoria da Relatividade Especial, proposta em 1905, à gravidade, se fundamentando em uma única equação em quatro dimensões, chamada equação de campo de Einstein. Foi por meio da aplicação da TRG e dos princípios da termodinâmica ao Universo como um todo que o padre George Lemaítre (1894-1966) propôs, em 1927, que o universo poderia não ser imutável. Segundo ele, o universo pode estar em um processo de expansão, sendo o ponto de partida uma condição infinitamente densa de energia. Portanto, o universo não era eterno, mas houve um momento em que tudo começou, e o tudo aqui é tudo mesmo, não só a matéria que o compõe, mas o próprio tempo e o espaço tiveram uma origem. Essa foi a proposta teórica do modelo do Big Bang.

Até aqui não havia na comunidade científica qualquer indício de que esse modelo fosse verdadeiro. Isso só ocorreu quando o famoso astrônomo Edwin Hubble (1889-1953) mediu a velocidade e a posição de 24 galáxias em relação a Terra, usando as técnicas do Slipher e da Leavitt; então ficou comprovado que o nosso universo não era uma entidade estática, mas estava em expansão. E tampouco era eterno, pois se voltássemos a expansão para trás haveria um momento inicial. Tal medida foi a primeira comprovação observacional deste modelo para evolução do cosmo. E é importante ressaltar que os trabalhos de Lemaítre não eram conhecidos por Hubble e, portanto, não o influenciaram em suas conclusões.

Lições sobre o Big Bang

Nesse ponto, podemos obter algumas lições sobre o Big Bang. Em primeiro lugar, não foi um modelo criado por uma mente imaginativa, mas é a aplicação da sólida TRG, pois advém da solução das equações de Einstein. Em segundo lugar, o modelo foi confirmado a partir de observações concretas, posteriormente reafirmadas por outras observações mais precisas. Além disso, esse modelo não foi motivado por interesses ideológicos ou como justificativa para uma visão pré-existente; pelo contrário, surgiu em conflito com a visão de mundo vigente no mundo científico de que o universo era eterno.

Quanto ao aspecto religioso, um fato interessante é que os primeiros opositores ao modelo do Big Bang eram ateus que não suportavam a ideia de um modelo científico que ­apontasse para a origem do Universo. E aqui o uso de “apontar” é justificado pelo fato dessa proposta não explicar como o universo se originou, mas indicar que houve um momento em que o tempo e o espaço, junto com tudo o que neles há, veio a existir.

Para seus críticos, esse modelo possuía um claro viés religioso. O que não é verdade, pois sua formulação estava fincada na matemática, na física e nas observações. Tal desconfiança, no entanto, foi superada após diversas previsões de modelos, que tinham o Big Bang como plano de fundo, serem confirmadas pelas observações.

A primeira observação confirmando previsões relativas ao Big Bang veio quando o eco energético liberado após o Big Bang, chamado de Radiação Cósmica de Fundo (RCF), foi detectado por Arno Penzias e Robert Wilson em 1965. Essa mesma radiação, quando medida com melhores instrumentos, apresentou variações da média que eram necessárias para explicar por que o Universo possui regiões mais densas que outras, exatamente como esperado caso o modelo do Big Bang fosse correto.

Outra observação que deu mais suporte a esse modelo foi a constatação de que a quantidade de hélio medida no universo não poderia ser produzida apenas no núcleo das estrelas, mas precisava ser formada nos momentos iniciais de expansão. E mais recentemente, foi observado que existe uma distância na distribuição estatística de matéria no espaço em que a densidade é maior que a média o que é explicado pelas oscilações de pressão ocorridas no plasma inicial. Em resumo, todas essas observações demonstram que o modelo do Big Bang é fruto de um sólido desenvolvimento teórico amparado por uma grande quantidade de dados observacionais.    

Debate no meio cristão

Hoje em dia tem havido um forte debate no meio cristão sobre esse modelo para a evolução do cosmo. Curiosamente, as críticas atuais provêm de cristãos, que a acusam de ser um modelo que exclui Deus, quando no início foi criticada por ser uma proposta que trazia um viés cristão para a ciência. Mas muito do que se tem falado pode ser fruto de equívocos tanto sobre o Big Bang como sobre a própria interpretação do texto bíblico.

Algo importante a ressaltar é que o atual debate cristão envolvendo o Big Bang parece desconsiderar alguns pontos essenciais. Primeiro, esse modelo não trata sobre a formação de estruturas no universo, assim, se fotos recentes indicam galáxias já formadas em um tempo em que não deveria haver, isso requer uma revisão não do Big Bang, mas do modelo de formação de estruturas.

O que o modelo para origem do cosmo faz é indicar que houve uma origem e não propõe que a causa para origem seja algo puramente material e, portanto, sem a necessidade de Deus. Outro equívoco muito comum é o de tratar o modelo do Big Bang como algo comparável à teoria da evolução. Tal visão é rapidamente corrigida quando compreendemos que esse modelo é fruto da aplicação direta de uma teoria extremamente bem testada e de observações criteriosas de suas previsões matemáticas. Dessa forma, é uma metodologia bem diferente daquela aplicada em relação à formulação da proposta de evolução.

Do ponto de vista de uma possível contradição com o Gênesis, é importante que antes de tudo tenhamos condições de responder à pergunta: Sobre o que o Gênesis trata? Da criação do Universo ou da criação da Terra? O que os outros textos bíblicos parecem indicar sobre o Universo ter ou não a mesma idade da Terra? Após essas questões serem respondidas podemos ter condições de avaliar o que um modelo robusto e que já suportou tantos testes tem ou não de contradição com a fé cristã.

Esse tipo de disputa não é uma novidade. Já ocorreu quando Galileu Galilei (1564-1642) observou que outros corpos não giravam em torno a Terra, muitos cristãos criticaram essa declaração. Na época, interpretavam que a Bíblia garantia que a Terra era o centro do universo em torno da qual todos deveriam girar. Mas, hoje, sabemos como o sistema solar funciona e sabemos que ocorria uma interpretação equivocada dos textos bíblicos.

É bem verdade que o processo inverso também pode acontecer, pois em alguns casos a Bíblia nos indicou um caminho diferente daquele proposto pela pesquisa acadêmica da época. Então, como resolver cada caso? É preciso entender que o modelo do Big Bang, portanto, pelo menos da forma como foi concebido, não representa nenhum tipo de afronta à explicação bíblica da origem da vida neste mundo. O fiel que aceita a Bíblia como Palavra de Deus deve sempre buscar uma interpretação bíblica coerente e considerar, também, as informações que recebemos da realidade física, pois Deus é o criador de ambas as fontes de conhecimento.

Rafael Christ Lopes é doutor em cosmologia e professor no Instituto Federal do Maranhão.


Referências:

Dodelson, Scott. Modern cosmology. Londres, Elsevier Science, 2003.

Heeren, Fred. Mostre-me Deus. Brasil, Clio Editora, 2009.

Singh, Simon. Big Bang. Brasil: RECORD, 2010.