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Ciência

A visão bíblica sobre o aborto e a valorização da vida

Os adventistas do sétimo dia compreendem que o aborto está em desacordo com a vontade de Deus para o ser humano  


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De acordo com a ciência e com a Bíblia, no momento da concepção e formação do embrião, já é possível considerar a existência da vida humana (Foto: Shutterstock)

O ser humano é uma criação única. Entre suas características distintivas, possui a capacidade de transmitir a vida e gerar novos integrantes de sua própria espécie, por meio da gestação e do nascimento. Ambos são processos maravilhosos e complexos. Isso é possível pois o ser humano possui, em cada uma de suas células, o material genético com as informações necessárias para sua sobrevivência e seu desenvolvimento. Podemos considerar isso rapidamente e então avançar nesta exposição com perguntas que conduzirão o desenvolvimento deste tema.

É possível determinar, do ponto de vista da ciência, quando ocorre o início da vida humana?

Sim, na verdade, passaram-se séculos até que a ciência, através da biologia, da embriologia e da fertilização assistida, confirmou que durante a gestação, desde o primeiro dia, a partir da concepção, há uma nova vida humana ou uma pessoa.

Embora sempre haja debates em torno desse assunto, atualmente temos conceitos claros. Há alguns anos, a reconhecida revista científica Nature publicou um artigo denominado “Seu destino desde o primeiro dia”1, em que enfatizava que os acontecimentos que ocorrem no momento da fecundação (ou concepção) já são determinantes para o desenvolvimento de um novo indivíduo e para sua vida.

Isso acontece pela união do ovócito, chamado óvulo, com o espermatozoide, células que vêm da mãe e do pai, respectivamente, e se unem durante a fecundação. Essa nova célula que surge se chama zigoto, e não é só mais uma célula, mas é única e diferente de qualquer outra, pois é a única totipotente, ou seja, que pode desenvolver todos os tecidos e todos os órgãos que formam um indivíduo completo, abrangendo também suas características pessoais particulares.2

Tanto o zigoto (o primeiro estágio de cada ser humano) quanto o embrião têm tudo o que é necessário para desenvolver o ser humano completo, e o embrião faz isso de forma gradual, em várias etapas que levam nove meses até o momento do nascimento. Mas não para por aí. Depois de nascer, durante a infância, as pessoas vão crescendo e desenvolvendo seus órgãos e sistemas. Alguns exemplos desse desenvolvimento gradual são o sistema nervoso e o sistema reprodutor. O sistema nervoso se completa morfologicamente por volta dos 2 anos, e certas funções, como os prolongamentos neuronais e as comunicações entre os neurônios, a memória e o aprendizado, entre outras, continuam durante toda a vida. O sistema reprodutor, só na puberdade, completa seu desenvolvimento e se torna funcional.3

Além disso, há algo assombroso: desde o primeiro momento, o zigoto tem impressões e características que o acompanharão ao longo de sua vida, como o sexo cromossômico, que é determinado por um cromossomo X fornecido pela mãe e um X ou Y fornecido pelo pai.4

Na Bíblia, o Salmo 139:16 diz: “Os teus olhos viram a minha substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles ainda existia”. O autor entende que Alguém tinha um plano designado para ele, com muito amor, que foi executado desde o começo de sua existência, e atribui esse plano a Deus.

A declaração dos princípios da Igreja Adventista do Sétimo Dia sobre o aborto afirma que os seres humanos foram criados à imagem de Deus, como expressa em Sua Palavra (Gênesis 1:27), e que nos concedeu o dom da procriação.5

O embrião é uma pessoa? É possível caracterizar e diferenciar o embrião de outro tecido do corpo da mãe?

Para muitas pessoas que desconhecem o assunto, é comum imaginar que o zigoto e o embrião são meramente tecidos indiferenciados, ou pertencentes unicamente à mãe, e que suas próprias características só aparecem no nascimento ou talvez um pouco antes, ou até mesmo se desenvolvem após o nascimento.

Como mencionado, o funcionamento único e individual já está determinado desde o primeiro dia de existência no DNA que esse novo ser recebe de seus pais, e é único e próprio. O novo DNA é diferente do de seus pais, e foi determinado no primeiro momento da nova vida.

É algo intrínseco e inseparável. Não pode haver um novo indivíduo sem um novo DNA, se não, seria simplesmente um clone. Por isso, não podemos ignorar que esse novo DNA é formado a partir de contribuições dos dois pais, tanto da mãe como do pai e que, para cada caso, é uma fusão única. Esse mecanismo é o que explica e garante as diferenças existentes entre irmãos.

É o DNA que tem todas as informações necessárias para o desenvolvimento gradual de cada sistema e parte do corpo. O DNA já contém características únicas do indivíduo que permanecerão com ele durante toda a vida, como a cor dos olhos ou dos cabelos, o sexo cromossômico, as características faciais, o formato das mãos, das unhas, etc. Essas características individuais já estão presentes desde o primeiro dia.

Elas são próprias de um indivíduo único, diferente da mãe que o gesta. É maravilhosamente um corpo dentro do outro. É uma pessoa dentro de outra, mas de forma transitória. É uma pessoa que, pelo fato de existir e ser pessoa, possui direitos como qualquer outra pessoa, sendo o primeiro o direito de viver.

Portanto, desde o primeiro dia, o indivíduo é único e diferente.

Na Bíblia, essa obra é atribuída a Deus. O Salmo 139:13-15 declara: “Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no ventre de minha mãe. Graças te dou, visto que de modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem. Os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra”. E ele diferencia seu corpo em formação, visível apenas para Deus naquele momento e para mais ninguém, do corpo de sua mãe, que já está formado. Esse é um reconhecimento sincero de Deus, o Criador.

Que posturas existem com respeito à origem da vida humana e do aborto?

Há várias linhas de pensamento quanto a esse tema tão sensível. Na atualidade existem diferentes posturas, dependendo do países, da cultura e das crenças.

A perspectiva conservadora “considera o feto uma pessoa, e que a vida humana, ainda no estado embrionário, merece a mesma proteção que a vida de uma criança ou de um adulto”. E mais ainda, “considera necessário conceber a existência de eventos indesejados (como uma gravidez) como parte da própria vida: eles devem ser aceitos como tais”.6

A controvérsia surge com as outras posturas, que consideram que o feto não é uma pessoa ou que ele vai adquirindo gradativamente suas características durante a gestação, ou que determina um prazo no qual o aborto não seria imoral.7

O debate sobre este tema se polarizou, contrapondo a postura pró-vida à postura pró-escolha.

Outro aspecto importante que não deve ser esquecido é que tanto o embrião quanto o feto, com as crianças, constituem um grupo vulnerável que deve ser cuidado e, nesses debates, podem ficar desprotegidos.

Leis

Juridicamente, vários países da América Latina reconhecem que todas as pessoas têm direito à vida. É um dos direitos fundamentais e está previsto no Artigo 3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.8

Algumas escolas de medicina ecoam essa declaração, como por exemplo, a Academia Nacional de Medicina da Argentina. Em sua declaração de 22 de março de 2018, ela indicou que “o nascituro, científica e biologicamente, é um ser humano cuja existência começa no momento da concepção e que destruir um embrião ou feto humano significa impedir o nascimento de um ser humano”.9

Aspectos bíblicos e a postura dos adventistas

Os adventistas do sétimo dia reconhecem Deus como o Criador e sustentador da vida, e não devemos ter medo de nossa fé. A declaração de princípios da Igreja Adventista do Sétimo Dia sobre o aborto diz que a vida humana é de valor inestimável em todas as suas fases, do começo ao fim.

Também afirma que “Deus considera a criança que não nasceu como vida humana. A vida pré-natal é preciosa aos olhos de Deus, e a Bíblia descreve o conhecimento de Deus sobre as pessoas antes que elas sejam concebidas (Salmo 139:13-16). Em alguns casos, Deus deu instruções diretas em relação à vida pré-natal (Juízes 13:5). O servo de Deus é chamado ‘desde o ventre’ (Isaías 49:1, 5). Jeremias já havia sido escolhido como profeta antes de nascer (Jeremias 1:5), assim como Paulo (Gálatas 1:15), e João Batista seria ‘cheio do Espírito Santo já do ventre materno’ (Lucas 1:15). De Jesus, o anjo Gabriel explicou a Maria: ‘Por isso, também o Ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus’ (Lucas 1:35). Em Sua encarnação, o próprio Jesus experimentou o período pré-natal humano e foi reconhecido como o Messias e Filho de Deus logo após ser concebido (Lucas 1:40-45)”. 5

Deus considera a pessoa importante antes mesmo de nascer. “A Bíblia atribui alegria a uma criança que ainda não nasceu (Lucas 1:44) e até rivalidade (Gênesis 25:21-23. [...] A lei bíblica demonstra forte respeito pela proteção da vida humana e considera grave qualquer dano ou perda de um bebê ou de uma mãe como consequência de um ato violento (Êxodo 21:22, 23)”.5

Que consequências pode haver por realizar um aborto?

Também há controvérsia em torno do termo aborto induzido, uma vez que ele envolve a cessação da gestação de uma pessoa não nascida, no curso da concepção até o nascimento, e provoca sua morte. Deve-se ter cuidado ao utilizar o termo interrupção em vez de cessação, porque implica que poderia ser retomado, mas isso não é possível no caso de um aborto induzido.

Por outro lado, o aborto não é um método contraceptivo como muitos creem. A principal diferença é que um método contraceptivo é destinado a prevenir ou evitar a ocorrência de uma gravidez. O aborto acontece quando já houve fecundação, independentemente do momento em que é realizado, quando a vida de uma nova pessoa já começou. E o desfecho é diferente.

Não é uma escolha simples, sem implicâncias. É um procedimento e, como tal, pode ter consequências à saúde física da mãe que podem levar a dores agudas ou crônicas. 10 Há estudos que afirmam que é possível desenvolver complicações, como hemorragias ou infecções, e, em alguns casos, provocar consequências mais sérias como dificuldades para a mulher ficar grávida, infertilidade ou colocar a própria vida em risco. 11

A decisão de abortar muitas vezes é tomada sob condições de forte estresse, medo, dúvidas e absoluta solidão. É preciso ter em conta que a bibliografia menciona que o aborto pode gerar sentimentos negativos que vão desde culpa, tristeza, vergonha, até depressão e pensamentos de morte. 12

A situação social pode ser um problema também. Muitas dessas mulheres se encontram em dificuldade, quer no emprego, quer sem apoio financeiro de um parceiro ou família, quer em situações de abuso. Outras estão sozinhas para tomar decisões.

Muitas expressam que não sabiam que poderiam engravidar e que desconheciam tudo o que implica um aborto. Isso acontece porque em muitos casos existe pouco conhecimento útil sobre princípios de sexualidade, controle de natalidade e métodos contraceptivos. Não apenas a educação é importante, mas a presença e o acompanhamento familiar que pratica valores.

Alguns posicionamentos admitem a possibilidade de justificar o aborto quando a vida da mulher está em risco e quando a gravidez foi produto de estupro ou incesto. É um tema muito delicado que deve ser tratado com muito cuidado e respeito. Em cada caso particular, é necessário buscar orientação profissional antes de tomar qualquer decisão. O acompanhamento e o apoio são muito importantes.

Como se deve agir?

Devemos lembrar que Deus, em Seu grande amor, tem um plano para cada um de nós. Temos que ser firmes em nossa fé e manter nossas decisões, confiando na Palavra de Deus. Precisamos orar e pedir a sabedoria que somente Deus é capaz de dar, como Ele mesmo prometeu.

Além disso, devemos levar em conta que a declaração de princípios da Igreja Adventista do Sétimo Dia sobre o aborto enfatiza que “A Bíblia ensina a cuidar dos fracos e vulneráveis. O próprio Deus cuida dos desfavorecidos e oprimidos e os protege”.5 Assim Ele fez quando esteve nesta Terra. “Jesus falou dos pequeninos dentre os irmãos (Mateus 25:40), pelos quais Seus seguidores são responsáveis. Também mencionou os pequeninos que não devem ser desprezados, nem perdidos (Mateus 18:10-14). Os mais jovens de todos, ou seja, os que ainda se encontram dentro do útero, devem ser incluídos nesse grupo”.5

O documento global da organização adventista afirma quea Igreja Adventista do Sétimo Dia considera que o aborto está em desarmonia com o plano de Deus para a vida humana. Ele afeta a vida intrauterina, a mãe, o pai, os membros da família nuclear e estendida, a família da fé e a sociedade, com consequências de longo prazo para todos”. 5

Deus tem um propósito para cada vida humana independentemente de sua origem. Se nós permitirmos, Ele, em Seu grande amor, nos acompanhará até a eternidade.


Eliana Vanesa Martines é médica e professora na Universidade Adventista do Plata, na Argentina.

Referências:

1: Pearson H. (2002). «Your destiny from day one». Nature 418 14-15.

2: Moratalla, N. L., Santiago, E., & Rodríguez, G. H. (2011). Nº 1. Inicio de la vida de cada ser humano. ¿Qué hace humano el cuerpo del hombre? Cuadernos de Bioética, 22(2), 283-308.

3: Ross M, Kaye G, Paulina W. (2020). Histología: texto y atlas color con biología celular y molecular. 8ª ed. Buenos Aires: Lippincott William & Wilkins; ISBN: 978-84-17602-65-9.

4: Sadler TW. (2019). Langman. Embriología Médica con orientación clínica. 14ª ed. Buenos Aires: Lippincott William & Wilkins. ISBN:9788417602116.

5: https://www.adventistas.org/pt/institucional/organizacao/declaracoes-e-documentos-oficiais/aborto/

6: Beuchot, M. (2001). “El derecho a la vida, el aborto, y el proceso inicial” en Valdés, Margarita, Controversias sobre el Aborto, México, Fondo de Cultura Económica. Universidad Nacional Autónoma de México, Instituto de Investigaciones Filosóficas.

7: Sumner, W. (1995). “El aborto”, en Luna, Florencia y Salles, Arleen L. F., Decisiones de vida y muerte. Eutanasia, aborto y otros temas de ética médica, Buenos Aires, Sudamericana.

8: https://www.un.org/es/about-us/universal-declaration-of-human-rights.

9: https://anm.edu.ar/wp-content/uploads/2023/06/18.aborto.pdf.

10: Williams Z, Scott JR. (2019). “Recurrent pregnancy loss”, en Resnik R, Lockwood CJ, Moore TR, Greene MF, Copel JA, Silver RM, eds. Creasy and Resnik's Maternal-Fetal Medicine: Principles and Practice. 8th ed. Philadelphia, PA: Elsevier; Cap. 44.

11: Turocy J, Williams Z. (2022). “Early and recurrent pregnancy loss: etiology, diagnosis, treatment”, en Gershenson DM, Lentz GM, Valea FA, Lobo RA, eds. Comprehensive Gynecology. 8th ed. Philadelphia, PA: Elsevier; Cap. 16.

12:  Correa Sánchez D, Holguín Palacios LE, Jaramillo MC. (2004). “Reacciones emocionales y aborto inducido voluntariamente”, en Pensamiento psicológico, ISSN 1657-8961, nº. 3.