A Igreja e o mês azul – parte I
Com a cor azul usada para despertar a atenção das pessoas, abril é o mês dedicado à conscientização sobre o autismo, com uma data mundial que aponta a importância do tema

Em 2007, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu 2 de abril como o Dia Mundial da Conscientização do Autismo. A data tem como objetivo promover a inclusão, combater a discriminação, informa, sensibilizar e promover a empatia e o entendimento em relação às pessoas com autismo.
Nesse sentido, a Igreja Adventista do Sétimo Dia busca trabalhar ações de conscientização, como o Sábado Azul. Trata-se de uma forma de despertar a curiosidade das pessoas em relação ao assunto. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) se caracteriza por desafios individuais, que vão desde habilidades sociais a padrões específicos de comportamento.
Leia também:
- Cães dão suporte emocional nas Escolas Adventistas
- Novas lições da Escola Sabatina para crianças: por que mudar?
Pensando nos desafios enfrentados nas salas de Escola Sabatina, nas atividades do Ministério Infantil e outros projetos que envolvem crianças com TEA, a entrevista com a professora e mestre Joseni Marlei Paula Braga, que atualmente é coordenadora e docente das pós-graduações em Inclusão no Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP), traz informações importantes e o destaque do acolhimento para as famílias. Confira.
Como os professores da Escola Sabatina e os líderes dos ministérios podem identificar sinais de autismo em uma criança? E como abordar os pais sobre o assunto?
Antes de qualquer coisa, gostaria de parabenizar a iniciativa de estarmos conversando sobre esse assunto! Antes de ser profissional na área de Inclusão e TEA, sou mãe de um rapaz com TEA nível 3 de suporte, Andrey, meu filho mais novo. Ele tem hoje 16 anos, e como teria sido maravilhoso se lá atrás, na sua infância, essa temática fosse uma preocupação dentro das nossas igrejas. Entretanto, o que é, realmente, relevante é que estamos crescendo nesse sentido e é sempre muito realizador podermos contribuir para melhorar o caminho daqueles que estão vindo atrás de nós.
Penso que o foco seja conhecer esses sinais para que haja uma maior compreensão sobre o funcionamento dessas crianças. Assim, consequentemente, que a igreja possa crescer em acolhimento e adaptações atitudinais e estruturais para que essa criança se sinta, realmente, incluída.
Conhecimento gera compreensão e empatia que, por sua vez geram respeito e resolução de problemas de forma adequada. E é isso que as crianças com TEA precisam (e merecem): receber dos líderes da sua Igreja compreensão, empatia e respeito em suas singularidades.
Ser capaz de entender por que determinados comportamentos ocorrem e que ocorrem por conta de uma condição existente e que ela não escolheu possuir, é um excelente começo.
O que é realmente importante no caso de, como líderes do público infantil, percebermos comportamentos incomuns (porém comuns dentro do TEA), é procurarmos a família para oferecermos informações relevantes, contextualizadas, que se repetem no contexto dos departamentos e orientar a família para que observe se esses comportamentos estão presentes nos demais contextos de vida daquela criança.
Como irmãos em Cristo e com todo amor e cuidado, é nosso dever sugerir que essa família busque acompanhamento especializado.
Quais são os principais desafios que as crianças autistas podem enfrentar ao participar das atividades da Escola Sabatina?
O principal desafio sempre será o preconceito, seja pelos olhares ou comentários críticos, e toda forma de bullying. Além desse desafio significativo, os demais vão estar relacionados às questões que, em essência, caracterizam o TEA, como:
- Demandas interativas prolongadas e/ou inesperadas: será preciso conhecer essa criança para dosar e iniciar, adequadamente, as demandas interativas.
- Atividades diferentes ou mudanças de ambiente sem preparação prévia: alguns dos sinais do TEA nos deixam claro que a previsibilidade é uma palavra bem importante para uma pessoa com TEA. Existe uma função cognitiva básica chamada de Função Executiva que, dentre outras funções, nos dá a capacidade de planejar e replanejar diante das mudanças na nossa rotina. Com essa função comprometida, crianças com TEA gostam mesmo do que já conhecem, do que já passaram e o melhor dos mundos para elas seria que os “hoje” fossem sempre iguais aos “ontem”.
- Ambientes com excesso de estímulos sensoriais: esse é, possivelmente, um dos maiores desafios que essa criança poderá encontrar. Mais de 90% das pessoas com TEA possui algum grau de Transtorno do Processamento Sensorial, então, é uma questão a ser bem considerada.
Como os professores devem agir caso uma criança tenha uma crise durante a Escola Sabatina ou outra atividade na igreja?
Preventivamente falando, considerar atentamente os desafios que a criança com TEA costuma enfrentar, mencionados anteriormente. Se não houver demandas excessivas em suas dificuldades interativas e, sobretudo, sensoriais, fica bem mais improvável que essa criança se desorganize e venha a entrar em crise.
Conhecer a criança em questão é fundamental. Os pais já devem conseguir identificar sinais que antecedem uma potencial crise e essas informações são imprescindíveis para os líderes dos departamentos infantis. A atenção a qualquer comportamento mais repetitivo dessa criança pode ajudar a evitar uma crise.
No entanto, a partir do momento que a crise teve o seu início, a estratégia é retirá-la daquele ambiente que está sendo aversivo (termo técnico e não com conotação de algo propositalmente ruim) e levá-la para um ambiente (já previamente pensado/preparado) em que os estímulos sensoriais estejam todos minimizados: ambiente de temperatura agradável, silencioso, de baixa luz, isento de odores; lembrando que o toque e a própria voz de quem estiver com essa criança em crise já podem se constituir num estímulo a mais, que deve ser evitado.
Quando essa criança começa a retornar da crise, aí então, cabe falar pouco, em voz baixa, e dizer a ela que está tudo bem. Um recurso de bastante resultado é respirar profundamente com ela algumas vezes. Aliás, ensinar uma criança que costuma ter crises a respirar profundamente quando sentir necessário pode evitar a crise ou fazer com que a criança se recupere mais rápido.
Nesse assunto também é importante enfatizar a diferença entre crise e birra. A birra é um comportamento de barganha em que a criança quer conseguir algo (tangível ou não). Logo, se o que a criança deseja for disponibilizado, a birra acaba. No entanto, a crise é uma descarga, um output sensório-emocional em que, após o seu início, de nada vai adiantar o oferecimento do que aquela criança mais goste no mundo. Ela necessita, única e exclusivamente, de um ambiente calmo e com o mínimo de estimulação sensorial.
Como ajudar as demais crianças a compreender e interagir respeitosamente com um colega autista?
Já existem inúmeros e ótimos recursos dirigidos ao público infantil, com essa finalidade.
Livrinhos como: Meu amigo faz III, O menino e o sonho, Meu amigo autista, Um livro diferente, entre tantos outros. Ou vídeos: “Autismo: Coisas fantásticas acontecem”, o Curta “Fitas”, “Você conhece o André? (Turma da Mônica)", “Como explicar o autismo para as crianças” (Mayra Gaiato), TEA – Autismo explicado pra crianças (Fafá conta histórias), entre tantos outros.
De novo, tudo começa com as crianças entendendo melhor os comportamentos do colega como sendo algo do TEA e que ele não está fazendo isso porque é mal-educado, esquisito ou chorão.
Evidentemente, o exemplo que os líderes oferecerem a esses coleguinhas fará toda a diferença também.
Como os professores podem se preparar para receber essas crianças?
- Buscar conhecimento contínuo sobre o TEA.
- Conhecer a criança com TEA: preparar e aplicar um questionário para a família e cuidadores responderem com todas as informações sobre a criança, sobretudo, as já enfatizadas aqui.
- Providenciar materiais de conscientização para que os coleguinhas compreendam melhor os comportamentos da criança com TEA.
- Preparar momentos de interação, porém, respeitar comportamentos de resistência interativa.
- Priorizar uma linguagem simples e clara, de acordo com cada idade.
- Avaliar, prévia e constantemente, as condições do ambiente, sobretudo nas questões sensoriais.
- Se a criança tiver um hiperfoco, avaliar se este pode ser usado, em algum momento dentro da programação, como elemento reforçador de ir à igreja.
- Se a igreja já não tiver, providenciar e preparar a sala sensorial ou um espaço para o mesmo fim.
- Promover, periodicamente, momentos de informação e conscientização para todos os envolvidos: família, líderes do Departamento Infantil e crianças.
Na segunda parte da entrevista serão abordados pontos relacionados com a igreja como um todo, bem como o acolhimento como forma de envolver as famílias na comunidade e proporcionar mais inclusão.
Você também pode receber esse e outros conteúdos diretamente no seu dispositivo. Assine nosso canal no Telegram ou no WhatsApp.
Quer conhecer mais sobre a Bíblia ou estudá-la com alguém? Clique aqui e comece agora mesmo.