A busca por “Mbiú” marca a realidade de aldeia indígena em São Paulo
São Paulo, SP... [ASN] Aos pés do Pico do Jaraguá, ponto mais alto de São Paulo, encontram-se representantes de um dos povos mais antigos do Brasil. Lá estão presentes duas aldeias indígenas, descendentes dos Tupis-Guaranis. Chegando à menor delas, o...
São Paulo, SP... [ASN] Aos pés do Pico do Jaraguá, ponto mais alto de São Paulo, encontram-se representantes de um dos povos mais antigos do Brasil. Lá estão presentes duas aldeias indígenas, descendentes dos Tupis-Guaranis. Chegando à menor delas, o visitante rapidamente é cercado por uma multidão de crianças, acompanhadas de cachorros, muitos deles. Quase todas descalças, sujas de barro, com olhares tristes e baixos, parecem assim, juntamente com o farejar dos animais, dar as boas vindas.
“Há’evete reju Tekoa Pyau” (Bem-vindo a aldeia Tekoa Pyau), diriam na língua materna se o contato fosse com outros índios de formação semelhante, ou igual. Até os seis anos de idade, os jovens são educados somente na cultura Guarani, para preservar esse componente da linha genealógica brasileira. Mas ao homem “branco”, apenas o silêncio. A impressão marcante é que, se não fossem tão introvertidas, as palavras que pronunciariam não seriam de cordialidades. Nem de repulsa, pelo contrário. Com tom de clemência, misturado a urgência, o pedido, quase em uníssono, é transmitido por meio do olhar: “Mbiú!”. Ou seja, comida.
A habitação na aldeia se assemelha a acampamentos de pessoas que foram desalojadas de suas casas. Em meio ao barro, os índios estão estabelecidos em alguns núcleos de moradias. Estas, por sua vez, se apresentam em condições deploráveis, formadas por um amontoado de compensados de madeira e qualquer material que sirva de proteção. São 130 famílias que vivem no local, com mais de 300 crianças.
Os integrantes do lugar preferem se isolar do resto do mundo e por isso o desenvolvimento na aldeia não acompanha o mesmo ritmo do restante da sociedade. Se isso é bom ou ruim, as discussões são infindáveis. A realidade é que eles não trabalham, não têm dinheiro, a educação das crianças é defasada e a preservação da saúde é precária. Os poucos recursos que conseguem são oriundos de atividades artesanais e doações de entidades que se mobilizam em prol dessa comunidade. Contudo, os bens adquiridos mal servem para alimentar as crianças; “Temos uma lista de 60 desnutridos aqui”, afirma Claudete Azevedo, voluntária que trabalha há seis anos na aldeia.
Ela é atualmente a coordenadora do Conselho de Mulheres, formado dentro da comunidade indígena. Ele foi criado com o objetivo de promover melhorias nos aspectos humanitários do local. Adventista do Sétimo Dia, Claudete sempre gostou de se envolver com assistência social. Mora na região do Pico do Jaraguá e resolveu fazer uma visita à aldeia. Engajada na área musical, logo formou um grupo com as crianças que passou a levar para se apresentar em outras escolas, mas percebeu que antes de música e passeios, eles tinham uma necessidade maior. “Eles tinham fome, precisavam de comida. Ninguém quer cantar se estiver com a barriga vazia”, conta.
Desde então, ela se esforçou para conseguir coletar o máximo de alimentos possível destinados aos índios. Atualmente, já conseguiu implantar um sistema em que a cozinha da aldeia funciona pelo menos três dias da semana. Por incrível que pareça, antes não funcionava em nenhum. Somente quando algum grupo fazia algum projeto social. O grande problema é que essas ações acontecem de forma muito esporádica.
Em períodos específicos, como no final do ano, em que são organizadas várias campanhas de arrecadação de recursos humanos como alimentos e roupas, a aldeia vira praticamente uma referência turística. São vários grupos de ONGs, igrejas, empresas exercendo sua parte na responsabilidade social, que levam aos índios a ajuda humanitária.
Em 2012, uma dessas ações foi mobilizada pela Igreja Adventista de Bosque da Saúde, em parceria com a Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA). Ela conseguiu arrecadar meia tonelada de alimentos e 700 peças de roupas. Tudo foi destinado para a aldeia Tekoa Pyau. O dia de entrega foi planejado com antecedência e era grande a expectativa das pessoas envolvidas com o projeto. Praticamente todos, nunca haviam tido contato mais próximo com índios. Qual não foi a surpresa, porém, ao chegar ao local e perceber que outro grupo já estava realizando brincadeiras e outras atividades recreativas e educativas com todas as crianças. Mesmo assim, os bens arrecadados foram entregues.
Frustração por um lado mas aprendizado e motivação por outro. O líder do grupo da igreja, pastor João Veríssimo, conversou por um bom tempo com a Claudete Azevedo, coordenadora do Conselho de Mulheres. Ela explicou a situação e a necessidade de envolvimento contínuo dos agentes externos. Apresentou as dificuldades e desafios que ainda existem. Para o pastor, o alerta foi ligado. “Normalmente fazemos essas campanhas para os mutirões de natal. Mas no natal, todo mundo faz. Queremos ir além e, em 2013 iremos nos envolver mais com a ajuda a essa comunidade”, declara Veríssimo.
A palavra chave é compromisso. “Sabe aquele que você tem com o trabalho? Ir todo dia, para ganhar o seu dinheiro. Quem for realmente interessado em mudar essa comunidade, tem que ter compromisso”, declara Claudete. Ela diz que tem muito para ser feito. A educação é um desafio muito grande que precisa ser resolvido. Existe uma escola da rede pública bem perto da aldeia. Mas as crianças não gostam de frequentá-la. Normalmente, com 13 anos já casam e se consideram adultos. No entanto, a demanda é maior do que o material humano disponível. Claudete, apesar de agradecida a todos que a ajudam, diz que não consegue fazer tudo sozinha. Portanto, em 2013, continuará “batendo na tecla” da fome. “Vamos erradicar esse problema”, afirma com confiança.
Maria Arapotã, representante da aldeia, conta que eles, os índios, sabem que não vivem na melhor realidade social do mundo. Mas ela defende que não existe um formato de integração do índio, com sua cultura, na sociedade comum. E reclama por serem abandonados por todos, até mesmo pelo governo que, segundo a mulher, faz muito pouco. Contudo, após a criação do Conselho das Mulheres, eles, ou somente elas, entenderam que se não se mobilizarem, a miséria nunca vai acabar. Algumas mudanças já foram realizadas, como a criação da cozinha, adequação da caixa d’água, entre outras. E agora, a comunidade, com a colaboração de voluntários, como Claudete, está mobilizada atrás de parcerias para a melhoria das moradias, educação e saúde.
E Maria, animada com as perspectivas de mudanças, não se esquece de agradecer a todos que já os ajudaram. “Ficamos muito felizes com essas pessoas que têm um grande coração. Temos vários problemas e queremos mudar. Ficamos felizes por saber que ainda se lembram da existência do índio em São Paulo”. [Equipe ASN, Gabriel Stein de Servi]
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