Projeto vai manter 50 missionários transculturais sul-americanos
Igreja Adventista amplia investimentos no envio de famílias para a região da Janela 10/40, onde os desafios para cristianismo são grandes.
Qual o custo da pregação do evangelho? É altíssimo se pensarmos em missionários como os apóstolos, ou muitos cristãos do segundo e terceiro séculos da era comum. E mesmo aqueles que enfrentaram dificuldades e até deram suas vidas durante o período medieval na Europa. Historicamente, a Igreja Adventista do Sétimo Dia mantém uma sólida crença na importância da missão transcultural. É quando o missionário sai de sua região de nascença, e encara uma realidade cultural completamente diferente para pregar o evangelho bíblico. Muitas vezes, corre diferentes riscos em nome dessa missão.
Leia também:
- Mission Refocus quer levar missionários para o mundo
- Igreja intensificará envio de missionários para outras regiões do globo
Na terça-feira, 12 de novembro, a sede sul-americana adventista realizou um programa especial de consagração e envio de missionários transculturais sul-americanos. São regiões onde a mensagem de Jesus ainda é desconhecida. Ao todo, 50 famílias servirão em diferentes países da chamada Janela 10/40. Uma parte deste grupo já está em ação há algum tempo, porém outros receberão o preparo adequado para iniciar suas atividades. O investimento total para manter o grupo deve chegar a 16.947.500 dólares durante cinco anos.
Durante o programa especial de motivação missionária, o pastor Stanley Arco, presidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia na América do Sul, frisou que o mesmo ímpeto que levou os pioneiros a enviar John Andrews até a Suíça no século XIX é o que move hoje a liderança adventista. Ele animou os missionários a se deixarem ser guiados por Deus e dependerem inteiramente Dele.
O secretário-executivo da sede mundial adventista, pastor Erton Köhler, lembrou que a Igreja Adventista sul-americana é a que mais enviará missionários para fora de seu território dentro do plano global chamado Mission Refocus. “Precisamos ser protagonistas na missão local, mas parceiros na missão global”, afirmou o líder.
Princípio bíblico
O conceito deste tipo de missão é baseado na Bíblia Sagrada. O próprio relato de Jesus Cristo aos discípulos ilustra Sua preocupação a fim de que a mensagem de salvação fosse pregada a todos. E o apóstolo João confirma o caráter global deste movimento no capítulo 14 do livro do Apocalipse.
No livro Life Sketches of Ellen G. White, está registrado que em abril de 1874 a profetisa e cofundadora da Igreja Adventista, Ellen White, recebeu uma visão contundente sobre o assunto. A ela foi dito que “sua casa é o mundo. Nunca perca de vista o fato de que a mensagem é mundial. A mensagem irá com poder a todas as partes do mundo”.
Como alguém é chamado?
Cada missionário possui sua própria história de chamado. É difícil encontrar uma receita a respeito do tipo de experiência singular e bastante personalizada. No caso do missionário brasileiro Paulo*, casado e com dois filhos (nome fictício por questões de segurança), a decisão familiar de sair do conforto de seu país e atividades da igreja foi motivada pelas memórias da infância. “A leitura da biografia de missionários, como a de David Livingstone (1813-1873), por exemplo, me inspirou muito”, lembra. Sua família está no grupo dos 50 que aceitaram o chamado para servir no envio de 2024.
Paulo nunca morou fora do Brasil, país em que nasceu e vive até agora. Está consciente dos desafios que estão à frente, pois vai se mudar para um país com uma cultura muito distinta. E, desde já, atribui qualquer êxito que venha a ter na missão ao poder de Deus. “Aprender outro idioma, viver em um lugar com costumes diferentes, alimentação, clima, vestimenta e crenças diferentes das nossas, só me leva a crer que se não for pela presença e poder do Espírito Santo, não será por nenhum outro critério, estratégia ou habilidade humana”, explica.
Missão no Iraque
A visão de quem já passou pelo campo missionário transnacional é realmente enriquecedora. O pastor goiano Everson Torres, de 39 anos, serviu com a família (esposa e dois filhos de 7 e 5 anos de idade) na região norte do Iraque na cidade de Erbil. Para efeitos históricos, Erbil está localizada a cerca de 60 quilômetros da lendária Nínive (do antigo Império Assírio), famosa no livro do profeta Jonas, que foi enviado até lá para pregar aos habitantes da região. Torres e família conviveram durante nove anos com os nativos desta região conhecida como Curdistão, uma área semiautônoma com cerca de 2 milhões de habitantes. Sua família fez parte do grupo que tomou a decisão de fazer parte do projeto adventista global de envio de missionários para regiões da Janela 10/40 em 2015.
No seu caso, ele atuava registrado como pastor e tinha autorização para cuidar da comunidade adventista na região. A Igreja Adventista do Sétimo Dia era uma das 16 organizações cristãs autorizadas pelo governo local a desenvolver atividades no país.
Mesmo assim, os típicos desafios de se estar em uma região como essa foram enfrentados. A começar pelos idiomas curdo e árabe, predominantemente falados. Além disso, obviamente Torres e família se depararam com uma maioria de pessoas muçulmanas, mas lembra que um dos segredos dos missionários é entender a cultura local e fortalecer as relações de amizade. “Felizmente, as pessoas gostam muito do Brasil e logo me identifiquei como brasileiro. A gente falava de tópicos como comida, futebol e até do antigo Passat. Na época em que morei lá, esse veículo era muito exportado para o Iraque. Toda esta abordagem fez parte do processo de contato com os habitantes da região”, recorda.
O missionário comenta que aprendeu muito sobre outras religiões. E entendeu que as pessoas têm em comum a necessidade de dialogar com amigos. Durante um tempo, ele jogava basquete com habitantes locais e um adulto chegou a procurá-lo em busca de maiores informações sobre a Bíblia.
Um dos maiores desafios foi conviver próximo à região onde atuava grupos ligados ao Estado Islâmico. A organização extremista islâmica costumava praticar assassinatos e outros tipos de crimes não muito distante de onde ele vivia. Por conta disso, até deslocamentos por distâncias relativamente curtas precisavam ser cuidadosamente estudados a fim de garantir a segurança. Na prática, a experiência no Curdistão permitiu que ele e a família convivessem de perto com muitos refugiados de guerras e resultando em um aprendizado único.
Torres e a esposa sempre tiveram o desejo de encarar um desafio missionário como esse. Ambos já tinham participado de movimentos anteriores semelhantes antes de irem ao Iraque. “Minha esposa chegou a vender produtos de beleza por um tempo para conseguir ir a uma missão com os ribeirinhos do Amazonas. Ou seja, este tipo de trabalho já faz parte da nossa família”, comenta o missionário.
Quando fala de missão transcultural, os olhos deles brilham. O casal compreende e assimila a ideia de que é preciso sair da comodidade típica de uma evangelização próxima de casa. De forma prática, eles realmente vivem a máxima dita pela pioneira adventista, Ellen White, no final do século XIX: “sua casa é o mundo”.
Referências:
1. Ellen G. White, Life Sketches of Ellen G. White [Pacific Press Publishing Association, 1915], p. 208, 209).