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Ministério pastoral em tempos de Inteligência Artificial

Como sistemas de Inteligência Artificial podem ser encarados pelos pastores em tempos de avanço tecnológico e novas oportunidades.


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A relação entre o ser humano e os sistemas de IA está cada vez mais estreita e isso tem consequências diretas no ministério pastoral adventista. (Foto: Shutterstock)

O uso de sistemas de Inteligência Artificial (IA), sobretudo generativa, tem provocado mudanças comportamentais no mundo inteiro. E tais mudanças se dão, também, na dimensão religiosa. Há grupos religiosos que rechaçam completamente o uso da IA como ferramenta de apoio. Outros, porém, como os Adventistas do Sétimo Dia, enxergam riscos e oportunidades no uso da IA. A denominação produziu recentemente, inclusive, um documento sobre aspectos éticos acerca do uso da IA.

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Mas, de forma prática, como o ministério pastoral adventista pode lidar com a temática da IA? Para compreender melhor o tema, a Agência Adventista Sul-Americana de Notícias (ASN) conversou com o pastor Sael Dias Ferreira. Ele é graduado em Teologia e Pedagogia, especialista em Filosofia da Religião; além disso, possui MBA em Comunicação e Marketing e MBA em Gestão Estratégica de Instituições Educacionais.

Sael Dias é atualmente pastor na cidade de Rio Verde, responsável pelo distrito do Bairro Santo Agostinho. Hoje ele faz mestrado em Teologia pelo Centro Universitário Adventista de Ensino do Nordeste, e pesquisa a temática Tecnologia e Fé: Aplicações da Inteligência Artificial no Aconselhamento Pastoral: Benefícios e Limitações.

Você pesquisa o uso de sistemas de IA aplicado ao ministério pastoral adventista. Primeiramente, por que pastores devem entender o mundo da IA no contexto em que atuam, sobretudo a generativa de conteúdo?

Os pastores devem entender o mundo da IA no contexto em que atuam, sobretudo a IA generativa de conteúdo, por várias razões importantes.

Pela primeira vez na história, as pessoas estão tendo acesso ao que chamamos de inteligência generativa. Estima-se que os estudos sobre IA começaram na década de 40, tornando-se mais populares entre as empresas na década de 90. Agora, estamos vivenciando um acesso mais amplo a essa tecnologia para qualquer pessoa, nos computadores e nos celulares.

Como essa revolução tecnológica pode ser considerada uma das maiores transformações na vida cotidiana nos últimos anos, os pastores devem estar atentos para prevenir perigos e aproveitar oportunidades. Os adventistas do sétimo da têm uma história de vanguardismo na tecnologia e comunicação, tendo lançado o primeiro programa de rádio religioso do Brasil, A Voz da Profecia. Devemos continuar esse legado, estudando, abrindo nossas mentes e aproveitando cada salto tecnológico para nos comunicar melhor, pregar de forma mais eficaz e avançar usando as ferramentas emergentes.

Assim como Daniel e seus amigos (Daniel 1:17) estavam por dentro do conhecimento da Babilônia e o usaram para o avanço dos planos de Deus, devemos fazer o mesmo com a tecnologia atual.

Desconfiança

Há uma certa desconfiança, por parte de alguns pesquisadores, quanto ao uso de IA generativa, por conta do alto risco de produção falsa de conteúdos e mesmo pelo possível efeito colateral do desenvolvimento de uma certa preguiça mental entre os usuários. Como você analisa isso no caso da atividade pastoral?

É verdade que existe uma certa desconfiança por parte de alguns pesquisadores quanto ao uso de IA generativa. Isso se dá principalmente devido ao alto risco de produção falsa de conteúdos, e ao possível efeito colateral do desenvolvimento de uma certa preguiça mental entre os usuários. No contexto da atividade pastoral, essa questão merece uma análise cuidadosa.

Toda tecnologia traz facilidades, mas pode também nos acomodar. O controle remoto, por exemplo, nos poupou o esforço de nos levantar para trocar os canais da TV. Lembro-me bem de como era ter uma TV sem controle. Por outro lado, essa comodidade pode ter contribuído para uma cultura tecnológica que nos tornou mais sedentários. Como disse Christian Louis Lange, "a tecnologia é um servo útil, mas um mestre perigoso".

Acredito que devemos estudar e fomentar esse assunto entre os pastores para que eles possam dominar a IA e utilizá-la para beneficiar a si mesmos e à igreja. Essa revolução tecnológica, que trouxe fácil acesso à IA e todos os seus efeitos, como edição e emulação de áudios, vídeos e fotografias, nos levou à urgência de uma alfabetização tecnológica. A maioria das pessoas usa a tecnologia, mas não possui a mínima noção ou senso crítico ao utilizá-la.

Se os pastores souberem usar a IA de maneira ética e equilibrada, ficará mais fácil transmitir esse conhecimento às suas igrejas. É um caminho sem volta: não estamos discutindo se vamos usar ou não, pois a IA já está presente nos celulares de ponta, já está corrigindo textos nos aplicativos, já está criando áudios. A questão é: vamos apenas consumir, ou teremos pastores que sabem utilizar, ensinar e precaver os irmãos em relação à IA?

Oportunidades

Por outro lado, quais oportunidades oferecidas pelos novos sistemas de IA podem se abrir aos pastores em direção ao desenvolvimento de um ministério exitoso com os membros e a comunidade?

A Inteligência Artificial oferece diversas oportunidades para os pastores desenvolverem um ministério frutífero com os membros da igreja e a comunidade. No entanto, é crucial entender o papel da IA como uma ferramenta de apoio, não como um substituto para a criatividade e o toque humano essenciais ao ministério pastoral.

A IA utiliza e emula a criatividade humana, chegando até certo ponto a criar coisas novas. Para seu aprimoramento, ela necessita de cada vez mais input criativo humano. Podemos ver a IA como uma secretária ou um revisor literário, capaz de despertar e refinar nossa própria criatividade.

No contexto pastoral, não é recomendável usar a IA para criar sermões completos, desenvolver programas inteiros ou conduzir aconselhamentos de forma autônoma. As respostas geradas pela IA tendem a ser genéricas e carecem da vitalidade necessária para nutrir a fé. A parte humana é essencial nesse processo.

No entanto, a IA pode ser uma excelente aliada quando usada para: refinar rascunhos de sermões, ajudar a encontrar textos bíblicos adicionais relacionados a um tema, localizar artigos e textos relevantes para aconselhamento, conectando-os com princípios bíblicos e aprimorar ideias para programações na igreja.

Assim como no passado usávamos enciclopédias, concordâncias bíblicas e livros de ilustrações para sermões, a IA se apresenta como uma ferramenta moderna de apoio. Ela amplia as possibilidades não só para pastores, mas também para membros da igreja envolvidos em pregações, música e liderança.

Outras aplicações práticas da IA no ministério incluem: organização de cronogramas e calendários, tabulação de dados e estatísticas e auxílio na preparação de materiais de estudo.

Meu conselho é que, ao usar a IA, as ideias principais e a base sejam sempre humanas. Comece com suas próprias ideias, use a IA para aprimoramento e revisão, mas sempre finalize o processo com sua análise e ajustes pessoais. A Inteligência Artificial pode cometer erros ou fornecer dados imprecisos, pois sua programação está focada em dar uma resposta plausível, mesmo que precise inventar informações para preencher lacunas. Por isso, é crucial começar do humano, usar a IA como ferramenta de apoio, e terminar com a revisão humana.

Efeitos na religiosidade

Você acredita que a própria religiosidade e as práticas religiosas tradicionais podem ser afetadas à medida que avançam as pesquisas e estudos sobre a forma como a IA afeta os comportamentos humanos?

A Inteligência Artificial está intrinsecamente ligada à nossa era de hipermodernidade e hiperindividualidade. Seu avanço e sua influência crescente nos comportamentos humanos têm o potencial de afetar significativamente a religiosidade e as práticas religiosas tradicionais. Este impacto pode ser observado em duas vertentes principais:

-Desafios potenciais: o principal risco negativo da interação entre IA e religião é a possibilidade de as pessoas confiarem mais nas respostas geradas pela IA do que na reflexão pessoal ou no estudo em comunidade. Isso pode contribuir para o fenômeno dos desigrejados (pessoas que abandonam a igreja institucional); uma fé com menor conexão humana e comunitária e a diminuição da importância da experiência coletiva na prática religiosa.

-Oportunidades e transformações positivas: por outro lado, assim como o rádio, a TV e a internet transformaram nossa conexão com o sagrado, a IA também está trazendo mudanças significativas:

-Democratização da informação religiosa: assim como podemos assistir a programas gravados sobre fé e esperança em qualquer momento, a IA permite acesso instantâneo a uma vasta gama de informações religiosas.

-Novas formas de engajamento espiritual: a IA pode facilitar experiências religiosas personalizadas e acessíveis, semelhante à como hoje podemos participar de orações com pessoas em locais diferentes.

-Maior responsabilidade doutrinária: com a facilidade de verificar informações, as instituições religiosas podem ser levadas a desenvolver uma fé mais robusta, com menos lacunas e opiniões pessoais, e mais fundamentada na Bíblia e nas crenças oficiais.

Esta última tendência é particularmente relevante para a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Com a IA, qualquer pessoa pode rapidamente verificar se uma afirmação está de acordo com a Bíblia, o Manual da Igreja, o livro Nisto Cremos, ou os escritos de Ellen White. Isso exige que nossas práticas e ensinamentos estejam mais firmemente baseados em nossas fontes oficiais. E isso, a meu ver, leva-nos ao crescimento e fidelidade as nossas crenças e valores.

Primeiros passos

Como você compreende que os pastores podem iniciar essa familiarização com a IA aplicada ao seu cotidiano? Quais seriam os primeiros passos?

Para os pastores iniciarem sua familiarização com a Inteligência Artificial aplicada ao seu cotidiano, é crucial adotar uma abordagem sistemática e informada. Aqui estão alguns passos iniciais recomendados:

  1. Compreender os Fundamentos da Programação

Assim como os pastores aprendem hebraico e grego no seminário para melhor entender a Bíblia, é importante ter noções básicas de linguagem de programação. Isso ajuda a compreender as possibilidades e limitações da IA.

É preciso entender como as instruções lógicas e sequenciais formam a base do funcionamento da IA, a linguagem de programação segue uma sequência lógica e estruturada.

  • Educação Contínua
  • Assistir conferências e eventos como o SXSW (South by Southwest) 2024, por exemplo, que oferece palestras de especialistas em IA, disponíveis no YouTube com dublagem e legendas.
  • Ler livros e artigos sobre IA e seu impacto na sociedade e na religião.
  • Acompanhar as últimas novidades e desenvolvimentos no campo da IA.
  1. Desenvolver senso crítico
  • Analisar criticamente as implicações éticas e teológicas da IA.
  • Refletir sobre como a IA pode ser integrada de forma responsável no ministério pastoral.
  1. Experimentação prática
  • Começar a usar ferramentas de IA em tarefas cotidianas do ministério, como pesquisa bíblica ou preparação de sermões.
  • Explorar diferentes plataformas de IA para entender suas capacidades e limitações.
  1. Diálogo com a Igreja
  • Iniciar conversas com os membros da igreja sobre IA e seu papel na fé e na prática religiosa.
  • Organizar seminários sobre tecnologia e fé.
  1. Colaboração interdisciplinar
  • Buscar parcerias com profissionais de tecnologia dentro da comunidade da igreja.

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