Um olhar científico sobre as inundações
Engenheiro explica o que pode estar por trás de grandes inundações como as que ocorreram recentemente no Rio Grande do Sul
O tema das grandes inundações é antigo e este tipo de catástrofe sempre preocupou a sociedade. Registros dão conta de que a inundação mais letal da história foi a que ocorreu em 1931 na China, quando o rio Amarelo e os principais rios do país asiático transbordaram e vitimaram mais de 1 milhão de pessoas.
Já no ano de 2023, entre as graves inundações ou enchentes ocorridas no planeta, chamaram a atenção tragédias ocorridas em locais como a Líbia (morte de 11 mil pessoas), Grécia (15 mil pessoas mortas), além da Turquia e Espanha.
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No ano de 2024, as enchentes registradas no Rio Grande do Sul, no sul do Brasil, ainda mostram seus efeitos. Afetaram, até o fechamento desta publicação, mais de 2 milhões e 290 mil pessoas. Além disso, as cheias ocorridas em dez dos dezenove departamentos (equivalente a estados brasileiros) do Uruguai já deixaram mais de 2 mil pessoas desabrigadas.
Mas como é possível entender este tipo de calamidade sob o ponto de vista científico? Resolvemos conversar com um especialista a respeito do assunto. A Agência Adventista Sul-Americana de Notícias (ASN) entrevistou Alesi Teixeira Mendes. Ele é engenheiro civil formado pela Universidade Federal do Tocantins e mestre em Engenharia Ambiental pela mesma Universidade. Atualmente, faz doutorado em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos pela Universidade de Brasília. É, também, membro do grupo Cientistas Adventistas.
Qual sua visão técnica a respeito das causas ou origens de enchentes da magnitude como a que vemos, por exemplo, no sul do Brasil e no Uruguai? Tem a ver com questões apenas climáticas ou também há outros fatores envolvidos?
Alesi - Os rios transbordam, e isso é cíclico. As regiões que margeiam os rios são chamadas de várzeas de inundação, ou seja, são as áreas que naturalmente se inundam quando o rio transborda. O problema surge quando tais locais são ocupados. Nesses casos, o fenômeno que era “natural” se torna um desastre.
A causa mais provável do aumento de tais desastres, em magnitude e frequência, é a mudança climática. Muitas pesquisas têm evidenciado alterações significativas nos regimes de chuva, seja para mais, e ocasionando enchentes e inundações, seja para menos, com as estiagens e secas.
Independentemente de qual for o caso (mais água ou menos água), quando esses fenômenos se somam às vulnerabilidades sociais, surge um problema.
Costuma-se falar muito, quando se assiste a inundações de grandes proporções, em invasão das cidades em relação a áreas de preservação. Como você vê isso?
Um dos melhores livros que temos no país sobre esse tema se chama Drenagem urbana e controle de enchentes. Nele, o professor Aluísio Canholi diz uma coisa da qual nunca me esqueço: a drenagem urbana (e aqui estou sintetizando todas as questões que envolvem água das chuvas no ambiente urbano) é uma questão de alocação de espaço.
Isso significa que quando um local antes ocupado pela água é suprimido por alguma razão, haverá um movimento para tomar de novo esse espaço em algum momento. O que vemos nesses episódios de enchentes é água reocupando lugares que antes lhe eram naturais.
Há referências no mundo de cidades e países que lidaram melhor com esse controle das redes pluviais e do preparo para inundações em zonas urbanas?
Na década de 1990, houve um fortalecimento significativo na abordagem do manejo das águas no meio urbano, com uma nova percepção mais sustentável do controle das águas pluviais.
Alguns modelos se destacaram nessa linha. Nos Estados Unidos e na Nova Zelândia podemos citar o chamado desenvolvimento de baixo impacto, e na Austrália o design urbano sensível à água. Mais tarde, já por volta de 2015, a China passou a incentivar as chamadas cidades esponjas. Apesar dos nomes diferentes, os princípios são bem semelhantes: tentar resgatar algumas características do ambiente de antes do processo de urbanização.
Diversas cidades no mundo progressivamente têm adotado tais modelos. No Brasil, ainda estamos apegados ao paradigma anterior e as iniciativas de adoção dessas medidas sustentáveis ainda são embrionárias.
Levando em conta que você é um profissional cristão e adventista, como enxerga a necessidade de cuidado com o meio ambiente por parte dos cristãos?
Fomos criados na condição de cuidadores, mordomos. E o cuidado com o planeta está incluído nessa responsabilidade. Institucionalmente, me orgulho da postura de Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) com relação a isso. Conheço pelo menos três declarações oficiais da Associação Geral da IASD sobre meio ambiente, ecologia e mudanças climáticas. A primeira delas intitulada O cuidado com a Criação, publicada em 1992. Depois, em 1995, durante a sessão da Associação Geral em Utrecht, na Holanda, foi votado e aprovado o documento Meio Ambiente, e em 1996, a Igreja votou e aprovou o documento Mordomia do Meio Ambiente.
Então, tanto pessoalmente quanto em minha comunidade, temos uma visão clara da importância do cuidado com o planeta.
Ao mesmo tempo, de que forma o que muitos consideram como um caos climático global poderia ser um fenômeno meramente cíclico e não um prenúncio de que o mundo está sendo destruído pelo próprio ser humano? Qual sua avaliação?
Há na academia adeptos às duas ideias. Minhas convicções e minhas pesquisas me conduzem a enxergar o problema climático como consequência de ações humanas aos longos dos anos.
Particularmente, é até pouco responsável não atribuir a devida importância ao impacto negativo do nosso modelo de desenvolvimento no meio ambiente.
Um exemplo disso é nosso modelo de consumo e como ele gera resíduo (lixo). Existem ilhas de lixo nos oceanos. Essas ilhas existem porque o plástico e outros materiais demoraram muito para se decompor. Animais e ecossistemas são afetados. E o fato gerador? É uma coisa ordinária da nossa rotina. Difícil de ser alterada se não for percebida. E esse é um exemplo. É difícil não perceber a relação entre a maneira como tratarmos o nosso planeta, e os desafios ambientais que temos enfrentado nas últimas décadas.
Veja episódio do podcast Cevada com plutônio com a participação de Alesi sobre o assunto:
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