Um corpo morto
A Bíblia ensina métodos para vencer a batalha contra o pecado
Nos textos anteriores você encontrará artigos de uma série com base em meu livro, Herdeiros do Reino, lançado pela Casa Publicadora Brasileira (CPB). Baseado no livro bíblico de Daniel, apresento lições que extraí dele para minha vida. Abaixo, compartilho com você uma versão resumida do quinto capítulo. Caso ainda não tenha lido os demais, acompanhe-os aqui.
“Nossos corpos são adequados para serem nossas autobiografias” (Frank Burgess).
Durante as horas anteriores ao amanhecer de 30 de abril de 1943, o submarino inglês HMS Seraph deslizava sigilosamente rumo ao porto de Huelva, uma pequena cidade da costa sul da Espanha. Nesse país, infiltrou-se a espionagem alemã, e em Huelva achava-se estacionado um hábil espião alemão que mantinha seus superiores bem informados sobre todos os movimentos dos aliados.
A bordo do Seraph jazia o corpo congelado de certo anônimo jovem inglês, que morrera de pneumonia alguns dias antes. Agora seu cadáver estava vestido com o uniforme de major da Royal Marine (infantaria da marinha inglesa). Além disso, deram a ele a falsa credencial com o nome de "Guilherme Martinho". Havia também um cartão de identificação. Tendo já um nome e um cargo, precisavam fabricar melhor a identidade do major Martin, tornando-o uma pessoa real. Para isso, atribuíram-lhe uma noiva, com fotografias e cartas de amor, tudo arranjado pelas secretárias do departamento da Marinha. Criaram ainda uma carta do seu suposto pai, contas para pagar, chaves, fósforos, moedas, bilhetes de teatro e muitos outros objetos normalmente encontrados nos bolsos de um homem.
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A missão desse falso comandante Martinho era levar, num receptáculo selado, várias cartas do alto comando aliado dirigidas ao comandante-em-chefe das tropas que operavam no norte da África. Nas cartas, havia uma falsa informação dizendo que os exércitos aliados iriam tentar invadir a Europa pela Grécia, e não pela Sicília, lugar que todos consideravam como o mais lógico.
Essa engenhosa operação militar foi concebida e executada pelo capitão de corveta Ewen Montagu, do almirantado britânico. Em seu fascinante livro intitulado O homem que nunca existiu, Montagu documenta os detalhes do que sucedeu. Eles fizeram flutuar o corpo até a margem, onde foi descoberto por um pescador espanhol, que deu aviso às autoridades militares alemãs. Com toda eficiência, o espião alemão obteve cópias de tudo o que o morto portava, inclusive as falsas ordens. Quando os oficiais do alto comando alemão estudaram tudo detalhadamente, convenceram-se de que os aliados se propunham desembarcar na Grécia. O próprio Hitler foi informado e ordenou a transferência para a Grécia da forte defesa militar que até então estava na Sicília, ilha que constituía o verdadeiro alvo da invasão aliada. O resultado desta ação foi que os exércitos aliados desembarcaram na Sicília em 17 de agosto de 1943, sob o comando do general George Patton, com mínimas oposição e perda de vidas.
No prefácio do livro, lemos as seguintes palavras: “Desorientar e confundir o inimigo sempre foi um dos princípios cardeais da guerra. Os truques são utilizados há tanto tempo que não é fácil inventar um processo novo para disfarçar, seja nossa potência, sejam as nossas intenções. Além disto, para a execução dos truques, bem como para seu planejamento, exige-se um cuidado meticuloso. Caso contrário, em vez de iludirem o inimigo, servem apenas para revelar o que desejaríamos esconder.”[1]
A estratégia do capitão Montagu era simples, mas eficaz. Por meio de um cadáver, ele queria fazer o exército alemão pensar que a guerra iria acontecer nas praias da Grécia, quando na verdade iria acontecer nas praias da Itália.
Onde está o campo de batalha
Essa incrível história nos ensina uma grandiosa lição espiritual. Todo cristão sabe claramente que está em guerra contra um poderoso inimigo que nos tenta a cada dia e nos leva a pecar. O que muitas vezes não percebemos é que, em nossa luta contra o pecado, usamos uma estratégia que não leva em conta o verdadeiro local da batalha. Ao longo dos anos tenho encontrado muitos cristãos que estão cansados de vez após vez, serem derrotados pelo inimigo e cometerem pecados que já prometeram não mais praticar. Quando converso com eles, vejo em seus olhos que realmente têm tentado com todas as forças lutar contra a agressividade, a mentira, os vícios secretos, a vaidade, a promiscuidade, o adultério, e me contam que estão cansados de lutar, pois percebem que simplesmente não conseguem vencer a batalha.
O problema é que ainda não entendemos que as nossas atitudes pecaminosas são apenas um corpo morto que o inimigo tem colocado para boiar na praia da nossa vida, e nós estamos usando todas as forças para combater pecados e para ter atitudes corretas, mas não é ali que a verdadeira batalha da vida cristã acontece, mas sim em outra praia da nossa vida, que muitas vezes está desprotegida e livre para o inimigo invadir. Talvez você esteja lutando arduamente em um lugar onde não é o verdadeiro ponto de ataque do inimigo.
Bem cedo em sua vida, Daniel entendeu que as duas praias onde o inimigo realmente nos ataca são o nosso corpo e o nosso tempo, e a compreensão disso possibilitou que Ellen White escrevesse que Daniel era um homem “ao qual nenhuma tentação podia corromper.”[2] Você já pensou se isso fosse dito sobre mim e sobre você? Quando Daniel decidiu firmemente não comer as comidas oferecidas pelo rei (Daniel 1:8) e quando ele estabeleceu o hábito de passar um tempo na presença de Deus três vezes por dia (Daniel 6:10), ele estava derrotando o inimigo onde ele realmente ataca: no corpo e no tempo.
Método de defesa
Veja esta outra citação: “A clareza de mente e firmeza de propósito de Daniel, sua força de intelecto na aquisição de conhecimento, deveram-se em grande parte à simplicidade de seu regime alimentar, associado à sua vida de oração.”[3] Imagine se em todo o tempo pudéssemos pensar com clareza para enxergar as artimanhas do inimigo sob qualquer disfarce. Algumas vezes até conseguimos enxergar o pecado, mas não temos firmeza de propósito de dizer não ao pecado. Daniel tinha tanto clareza de mente quanto firmeza de propósito, e isso graças à sua decisão de honrar a Deus por meio do seu corpo e de reservar diariamente o tempo para a comunhão com Deus. Corpo e tempo, meus amigos, é aí que a verdadeira batalha acontece.
Em relação à outra praia onde o inimigo realmente nos ataca, leia essa seguinte citação: “Qualquer coisa que diminua a força física, debilita a mente e a torna menos capaz de discernir entre o bem e o mal. Nos tornamos menos capazes de escolher o bem, e teremos menos força de vontade para fazer o que sabemos que é correto. E isso nos incapacita para realizar a obra que Deus nos deu para fazer.”[4] Aqui está a biografia do nosso pecado. Nós caímos em pecado por nos tornamos incapazes de discernir entre o bem e o mal, e mesmo quando conseguimos discernir, não somos capazes de escolher o bem e não temos força de vontade para fazer aquilo que sabemos que é correto.
Um dia uma pessoa me pediu uma receita espiritual para ter vitória contra o pecado. Eu não acredito que exista uma receita, mas creio que alguém que dorme antes das 22h, que na parte da noite faz uma refeição leve, que pratica atividades físicas regularmente, que escolhe alimentos que fortaleçam e não que destruam o corpo, e que tem momentos diários para uma intima comunhão com Deus, está combatendo o inimigo exatamente onde ele nos está atacando e derrotando.
Referências:
[1] Ewen Montagu, O homem que nunca existiu (Rio de Janeiro, RJ: Editora Bibliex, 1978), p. 8.
[2] Ellen G. White, Fundamentos da Educação Cristã (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), p. 33.
[3] White, Conselhos sobre Regime Alimentar (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2009), p. 82.
[4] White, Ciência do Bom Viver (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2007), p. 243.