Os anabatistas, sua história e contribuições para o cristianismo
Grupos de protestantes conhecidos como anabatistas tiveram influência, também, sobre a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Historiador explica.
Geralmente, quando se fala de Reforma Protestante, alguns nomes rapidamente surgem à mente. Martinho Lutero, João Calvino, Ulrich Zuínglio, Filipe Melanchton e outras poucas figuras proeminentes de movimentos da Europa antiga. Em meio à história da igreja cristã, no entanto, grupos defensores do batismo de adultos também tiveram destaque e influência. É o caso dos anabatistas, nome genérico e comum dado a movimentos protestantes com especificidades diferentes.
A história é longa e merece ser estudada profundamente. Em linhas gerais, em janeiro de 1525, na Suíça, alguns protestantes assistiram e participaram de uma das primeiras cerimônias públicas de batismo por imersão. O relato do livro A História dos Anabatistas – Uma introdução ao anabatismo do século XVI, enfatiza que George Blaurock foi batizado, já adulto, por Conrado Grebel. Na sequência, outras pessoas foram batizadas. O autor William Estep assinala que “a introdução ao batismo de crentes não foi um ato improvisado. Mesmo que seu caráter revolucionário tenha trazido certo temor aos corações dos que ali estavam reunidos naquela noite de janeiro, não foi uma decisão tomada pelo impulso do momento”.[1]
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Curiosamente, a história registra, também, a existência até de anabatistas guardadores do sábado. Em artigo, Glauber Araújo lembra de Oswald Glaidt, da Alemanha, que viveu entre 1490 e 1546. Ele foi um disseminador do conceito bíblico presente nos Dez Mandamentos. “Embora não existam muitas informações disponíveis sobre o mártir, sabemos o suficiente para afirmar que a doutrina do sábado também foi resgatada durante a Reforma Protestante”.[2]
É importante conhecer um pouco mais acerca dos anabatistas, suas crenças e de sua contribuição para o cristianismo atual, inclusive o adventismo. Por isso, a Agência Adventista Sul-Americana de Notícias (ASN) conversou a respeito do movimento anabatista com um pesquisador da História da Igreja. O entrevistado é Lucas Gesta. Ele é doutorando em História Política (UERJ), mestre em História Social (UNIRIO) e em Biblical and Ministries Studies (FABAT/STBSB). Gesta é especialista em História da Igreja (FAECAD) e paleógrafo (IHGB). Além disso, é coordenador da pós-graduação em História do Cristianismo e do Pensamento Cristão da Faculdade Batista do Rio de Janeiro / Seminário Batista do Sul.
Origem
Em linhas gerais, qual a origem do movimento conhecido pelo nome genérico como anabatistas?
Os anabatistas não constituem um único grupo com características e teologia iguais. Eles fazem parte, no entanto, de diversos movimentos, até anteriores à Reforma Protestante. Tinham em comum o rompimento com a religião oficial do Estado; a volta à leitura das Escrituras como meio de se chegar até a fé verdadeira; e daí, o rebatismo como rito iniciático obrigatório na vida dos novos religiosos.
Porém, o movimento anabatista moderno tem o seu início na Suíça, com Conrad Grebel (1498-1526) concomitantemente com os ensinos do reformador Zuínglio. E, também, na Alemanha, com os profetas de Zwickau (1520), em paralelo com os ensinos de Lutero (e demais reformadores de Wittenberg) no século XVI.
Grupos anabatistas
E de que forma esses grupos estavam organizados? Explique um pouco melhor isso.
Costumamos dividir esses movimentos em anabatistas bíblicos; anabatistas revolucionários (ou místicos, ou apocalípticos); e anabatistas racionalistas.
Os anabatistas “bíblicos”, oriundos de Conrad Grebel, denominavam-se apenas “irmãos”, e pregavam a separação entre Igreja e Estado. Além disso, falavam da autoridade da Bíblia como única regra de fé e prática, o batismo consciente (adulto) dos crentes e a noção de pertencer à igreja era uma questão de caráter voluntário, e não por nascença.
Já os revolucionários, oriundos de Zwickau, eram quiliastas (tinham uma força crença em um milênio na terra), frequentemente violentos e substituíam os dogmas cristãos pelas revelações diretas de seus profetas.
Os racionalistas oriundos de Fausto Sozzini (1539-1604) negavam os dogmas cristãos como a trindade e a divindade de Cristo, por considerá-los não bíblicos e fruto da política imperial à época dos concílios.
Crenças
Quais são as principais crenças defendidas por eles e que constituem um importante legado para o cristianismo atualmente?
No legado geral para nossos dias, os anabatistas pregavam a separação entre Igreja e Estado, a autoridade da Bíblia como única regra de fé e prática e o batismo consciente dos crentes. Também tendiam ao pacifismo e ao batismo por imersão. Pertencer à igreja era uma questão de caráter voluntário, e não por nascença. As mulheres tinham os mesmos direitos que os homens, e ricos e pobres eram tratados de maneira igualitária. O sacerdócio universal cristão era vivido radicalmente, rejeitando a autoridade de bispos e autoridades intermediárias na igreja. Eram iconoclastas e seu culto era democrático e simplificado.
Influência
Pelo seu conhecimento, podemos dizer que o adventismo foi influenciado pelas crenças dos anabatistas?
Boa parte do protestantismo estadunidense recebe influência de grupos anabatistas. A maior delas se dá por intermédio da doutrina da Igreja Batista, que nasce da união dos puritanos reformados com os menonitas (anabatistas bíblicos holandeses). A Igreja Adventista do Sétimo Dia nasce em meio a outros movimentos, como os batistas do sétimo dia e os mileritas. Quando observarmos doutrinas como a separação entre Igreja e Estado, a livre associação dos membros, separação do conceito de Igreja e sociedade civil e pacifismo, percebemos que são todos são elementos característicos dos diversos anabatistas europeus.
Hoje
Que grupos religiosos ainda hoje se identificam teologicamente com os anabatistas?
Dos grupos que são diretamente originários dos anabatistas europeus temos os Menonitas, Amish, Huteritas, Schwenckfelders e os unitaristas (socinianos, entre outros.).
Se você fosse resumir, em poucas palavras, as principais contribuições dos anabatistas para o cristianismo, o que diria?
A grande contribuição dos anabatistas para o cristianismo é a ideia de separação entre Igreja e Estado, liberdade religiosa de cada indivíduo/grupo e sacerdócio universal dos cristãos (no qual homens e mulheres podem pregar a Palavra de Deus, interpretá-la e vivê-la).
Ouça o episódio do podcast BTCast sobre Menno Simons:
Referências:
[1] A História dos Anabatistas – Uma introdução ao anabatismo o século XVI, página 15.
[2] Artigo Restaurador do sábado – Disponível em https://www.revistaadventista.com.br/reforma-500/oswald-glaidt/