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Coluna | Felipe Lemos

Três princípios comunicacionais para fugir do cancelamento

A cultura do cancelamento precisa ser entendida a partir de uma cultura estabelecida da comunicação de pessoas influentes ou organizações.


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Cultura do cancelamento tem pelo menos dois lados. Tem um efeito necessário, mas possui aspectos ruins que precisam ser ponderados. (Foto: B9)

O cancelamento virtual virou palavra da moda desde o ano passado. E a própria ideia de cultura do cancelamento se tornou rapidamente uma realidade no ambiente das redes sociais digitais. A pesquisadora em comunicação digital Issaaf Karhawi afirma que “surge como uma situação de rechaço a figuras públicas – especialmente influenciadores digitais, a partir da identificação de uma falha, seja ela de caráter ou atrelada a questões sociais, culturais ou de saúde pública”.[1]

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Um estudo da consultoria de comunicação LLYC, feito em 13 países, demonstrou que as empresas e marcas também se preocupam com o assunto. Esta verificação mostrou, por exemplo, que 31% das pessoas ouvidas cancelariam uma empresa se a marca não corresponder às suas expectativas como consumidor. E 37% já cancelaram uma marca por adotar um posicionamento considerado falso, ou seja, não sustentado por suas ações em geral.[2]

Como funciona

Basicamente a ideia da cultura do cancelamento, seja de pessoas públicas ou marcas de organizações, segue uma lógica dividida em quatro etapas: a pessoa ou marca é famosa; há promessas feitas ou expectativas criadas em torno do que esta marca ou figura pública faz diante da sua audiência; a figura pública comete o que se considera uma incoerência, deslize e acaba exposta e finalmente a pessoa ou marca é cancelada. Ou seja, começa um movimento orquestrado para expor seu erro e pedir que as pessoas deixem de seguir um famoso influencer ou deixem de comprar produtos ou serviços de uma determinada empresa.

Um estudo da agência Mutato, no Brasil, divulgado em agosto do ano passado, identificou três tipos de cancelamento: o boicote geralmente relacionado à política, marcas e pessoas ou instituições de poder. Há, também, o ban e close errado, ligados muitas vezes a falas infelizes de pessoas públicas. E, por fim, há o linchamento virtual ou cancelamento, focados mais nos comportamentos de influenciadores ou celebridades.

Oportunidades

A cultura do cancelamento faz pensar sobre a responsabilidade que pessoas e organizações possuem quanto à coerência de suas atitudes. Este patrulhamento aumenta a necessidade de ações, no caso das organizações, que sejam condizentes com a sua missão, valores e visão. Em relação aos influenciadores, aquilo que eles prometem como personalidades públicas a um grupo de influenciados precisa ser cumprido.

É o caso da pessoa que afirma respeitar a diversidade, mas é pega em ato intolerante. Ou a empresa que fala em respeito ao consumidor, mas o trata, na prática, de forma desrespeitosa ou indiferente. Pode ser um político que afirma defender determinados princípios, mas é flagrado atuando de forma absolutamente diferente. Ou, ainda, líderes religiosos que pregam um certo estilo de vida, contudo acabam publicamente expostos em situações opostas.

Você pode pensar que isso sempre existiu. Sim! Só que hoje o ambiente digital cria dois movimentos diferentes: ele potencializa de forma veloz a incoerência e permite a mobilização online de milhares de pessoas em torno de uma causa, que, neste contexto, consiste em cancelar o incoerente. A oportunidade para as organizações está em fazer o correto, adequado e esperado eticamente, e aproveitar as situações para melhorar sua forma de agir, seus processos e, evidentemente, sua comunicação.

Desafios

Mas há o outro lado da cultura do cancelamento. Novamente vale o que Issaaf Karhawi explica sobre o assunto. No mesmo artigo, já citado, ela pondera que “as redes sociais são binárias, o que atribui à rede uma lógica de sim e não, ou certo e errado. Desta forma, não existe meio termo para os julgamentos, dificultando a possibilidade de aqueles que erraram, refletirem sobre suas atitudes e reorganizarem suas ideias, o que acaba sendo muito cruel”.[3]

Este é um lado muito negativo. O julgamento apressado e, muitas vezes, sem muita contextualização, transforma pessoas e marcas em inimigos públicos da noite para o dia. E esse julgamento condenatório se dá sem praticamente um diálogo. Um grupo significativo de pessoas rapidamente se transforma em juízes de valor e muitos sequer conhecem mais detalhes acerca do tema em contestação pública. Embarcam em uma atitude que pode ser exagerada, desmedida e, em alguns casos, até completamente equivocada quando outros fatos são comparados com as acusações públicas.

Cultura da comunicação

O que as organizações e marcas de influencers podem aprender com isso? Reúno aqui três possíveis ensinamentos sobre os dois lados da cultura do cancelamento, olhando para uma necessária cultura da comunicação.

  1. Pessoas influentes e marcas (organizações) precisam entender que a reputação não é um ativo protegido por uma comunicação distante dos públicos, baseada apenas em ideias criativas na produção de vídeos ou posicionamento em redes sociais. A comunicação que favorece uma boa reputação leva em conta o que pensam os públicos de interesse e procura ser absolutamente coerente com seus princípios e sua própria identidade. Querer maquiar a imagem é um erro que geralmente acaba exposto.
  2. A comunicação estratégica das marcas (sejam pessoas ou organizações) envolve relacionamento com as pessoas, sejam defensoras ou não destas marcas. Obviamente que o relacionamento precisa ser bem pensado e organizado. Ouvir mais é importante, mas é igualmente necessário saber filtrar o que é válido e o que também não se se aplica dentro do que foi sugerido. O diálogo figura como algo essencial, mas há maneiras corretas de se fazer isso.
  3. Comunicação eficiente e eficaz, em tempos de cancelamento, não trabalha apenas com a reação das organizações: prioriza a ação preventiva, o trabalho feito antes de uma situação de crise surgir. Ainda acredito que fazer o que é correto, sem que alguém publicamente cobre esta postura, é o melhor esforço comunicacional de organizações e pessoas sérias.

Fim desta cultura?

Mas a cultura da comunicação vai vencer a cultura do cancelamento? Em parte, sim; em parte, não. Há pessoas e grupos que sempre apreciarão criticar publicamente, arregimentar gente para boicotar marcas e pessoas, enfim, cancelar. Independentemente do que se faça ou que se diga, por parte de pessoas públicas ou organizações conhecidas, há quem viva da crítica. Isso as alimenta e, em certo sentido, supostamente lhes dá alguma importância na sociedade. Ainda que por pouco tempo.

Mas estes são os tempos em que tudo quase é superficial e efêmero. De certa maneira, não se consegue prever todos os comportamentos dos públicos no futuro. Mas ser coerente, correto, ético e responsável sempre terá valor para uma boa parte das pessoas. Fazer o certo por ser certo, inclusive sem medo da impopularidade circunstancial. É preciso seguir no caminho da coerência.


Referências:

[1] Artigo O que está por trás da Cultura do Cancelamento? Disponível em https://medium.com/@karolinapestrin/o-que-est%C3%A1-por-tr%C3%A1s-da-cultura-do-cancelamento-34c2067817d0

[2] Reportagem Cultura do cancelamento é o novo normal. Disponível em https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/02/12/cultura-do-cancelamento-e-o-novo-normal.ghtml

[3] Artigo O que está por trás da Cultura do Cancelamento? Disponível em https://medium.com/@karolinapestrin/o-que-est%C3%A1-por-tr%C3%A1s-da-cultura-do-cancelamento-34c2067817d0

Felipe Lemos

Felipe Lemos

Comunicação estratégica

Ideias para uma melhor comunicação pessoal e organizacional.

Jornalista, especialista em marketing, comunicação corporativa e mestre na linha de Comunicação nas Organizações. Autor de crônicas e artigos diversos. Gerencia a Assessoria de Comunicação da sede sul-americana adventista, localizada em Brasília. @felipelemos29