Lei dos Direitos Autorais garante proteção à propriedade intelectual
Práticas como a pirataria, por exemplo, desestimulam novas produções e ferem os Direitos Autorais
Por Vanessa Arba
Diz a sabedoria popular que há três coisas que uma pessoa precisa fazer durante a vida: plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Os três legados parecem ir muito além de uma simples experiência; eles denotam subsistência. O primeiro tem a ver com a preservação do nosso lar, o planeta Terra. O segundo, com a continuidade da espécie humana. E o terceiro, com a perpetuação do conhecimento, afinal, tudo o que sabemos hoje é o acúmulo da sabedoria dos nossos antepassados.
Para além da relevância externa e universal, toda criação carrega um valor atribuído pelo seu autor, numa relação nada menos que parental. Não à toa, já que todo processo de criação demanda esforço e investimentos de todo tipo, e imprime na obra características do agente que a criou. Por tudo isso, a autoria é um elemento valioso, e objeto de constantes discussões e até regulamentação jurídica, que confere ao criador direitos sobre a sua obra.
Sobre Direitos Autorais, a Agência Adventista Sul-americana de Notícias conversou com a advogada Cristina Sallum, especialista na área de Propriedade Intelectual e responsável jurídica da Casa Publicadora Brasileira. Confira a entrevista a seguir.
O que são Direitos Autorais?
Os Direitos Autorais caracterizam um conjunto de prerrogativas e garantias que têm a finalidade de assegurar a propriedade de um autor sobre aquilo que cria. Autor é a pessoa física que, por meio do seu ato original, cria o que chamamos de obra protegível. A pessoa jurídica pode se tornar titular dos Direitos Autorais por meio de um contrato, por exemplo.
Esses direitos não se limitam a obras escritas, certo?
Toda e qualquer expressão artística exteriorizada, e podemos citar como exemplos as obras musicais, fotografias, esculturas, pinturas, desenhos, filmes e até traduções, está dentro do rol de obras protegíveis por Direitos Autorais. Mas é necessário que a obra esteja materializada, mesmo na forma de um esboço ou projeto porque, enquanto ideia, não é protegível.
Os Direitos Autorais partem do princípio de Propriedade Intelectual. Este é um princípio fundamental, previsto em Constituição?
Sim. Apesar de termos uma lei que regulamenta, especificamente, os direitos autorais no Brasil (Lei nº 9.610/98), a Constituição Federal elenca, dentro do artigo 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais, os direitos do autor, bem como do titular de determinada obra.
Há diferentes tipos de direitos autorais, certo? Quais seriam?
A legislação que trata dos Direitos Autorais é bastante didática. Ela se divide muito bem entre Direitos Morais e Direitos Patrimoniais. O Direito Moral é aquele que o autor tem de assegurar a “paternidade” da obra, ou seja, de ter o seu nome e o seu crédito associados àquilo que criou. Também garante que ele recuse qualquer alteração da obra feita sem a sua autorização. Esse é um direito inalienável e irrenunciável.
Por outro lado, o Patrimonial é o direito que o autor tem de fruir da sua obra como bem entender. Toda e qualquer utilização dela por terceiros, com fins comerciais ou não, depende da sua prévia e expressa autorização. O Direito Patrimonial pode ser transferido, e a lei regulamenta essa transferência em forma de cessão, licença ou autorização, por determinado período, e prevendo os meios como a obra poderá ser utilizada por terceiros. A transferência pode ser feita de forma gratuita ou onerosa.
É necessário registro para ter garantidos os Direitos Autorais?
O Direito Autoral independe de registro. O próprio ato criativo faz nascer esse direito. Entretanto, embora o registro não seja obrigatório por lei, ele é muito importante, principalmente quando se está diante de um litígio que envolve a reivindicação da autoria sobre determinada obra. Há órgãos determinados para fazer esse registro, a depender da natureza da obra.
Esses direitos têm “prazo de validade”?
O Direito Moral é imprescritível, ou seja, não se perde com o tempo, e é transferível aos herdeiros após a morte do autor. Já o Direito Patrimonial, que também é transferível para os herdeiros, perdura por 70 anos (no Brasil) após a morte do autor, e cujo prazo conta-se a partir do dia 01 de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento.
Após expirado o prazo de duração, o que acontece com a propriedade da obra?
Quando o prazo expira, a obra passa a ser de domínio público. Isso significa que ela pode utilizada livremente. Mas há cuidados que devemos tomar mesmo diante da obra que já está em domínio público, pois os Direitos Morais do autor devem ser preservados, ou seja, a sua autoria deve ser creditada e não podem ser feitas alterações sem autorização dos herdeiros.
O que caracteriza um plágio?
O plágio é um dos grandes desafios da produção intelectual. Ele não está definido na lei, mas o seu conceito foi se formando ao longo do tempo pela doutrina, pelos estudiosos na área do Direito e pela própria jurisprudência, ou seja, pelas questões que chegam ao Judiciário. Ele é a apropriação indevida da obra; quando alguém faz uma imitação e passa a apresentar a obra como se fosse de sua autoria. Toda cópia não autorizada, inclusive a cópia parcial ou dissimulada, se caracteriza plágio e é proibida dentro do contexto dos Direitos Autorais
Que direitos tem o autor diante de uma situação de plágio?
Assim como a lei prevê os direitos, prevê as sanções. Quem cometer uma infração aos Direitos Autorais estará sujeito ao pagamento de indenização por danos morais ou patrimoniais, e a lei tem também define a forma de calcular esse valor. Além de pleitear a indenização, o autor e/ou titular da obra também tem o direito de ter as cópias recolhidas.
Com o avanço da tecnologia e a consequente facilidade de propagação de conteúdo, o princípio de propriedade intelectual foi relativizado de alguma forma ou se mantém intacto?
É óbvio que todos somos muito beneficiados com o avanço da tecnologia, mas, inevitavelmente, a questão de propriedade intelectual acabou sendo afetada, especialmente com a internet. É preciso que as pessoas tenham consciência de que a utilização de conteúdos publicados ou disponíveis em sites não é livre; existe alguém que idealizou e criou.
A lei de proteção utiliza o termo “fixada em qualquer suporte, seja ele tangível ou intangível”. Note que, apesar de a nossa lei sobre Direitos Autorais ser de 1998, ela buscou estender essa proteção pensando no avanço da tecnologia. Então, é preciso ter muito cuidado com o que está disponível na internet, seja em texto, áudio ou imagem. Todas as obras disponíveis no meio digital possuem proteção em várias vertentes da Propriedade Intelectual, não somente do Direito Autoral.
Que cuidados podemos ter no dia a dia para não corrermos o risco de cometer plágio?
Da mesma forma que a lei regulamenta o que é protegível, prevê as situações excepcionais, que não constituem ofensa aos direitos do autor. Um exemplo é o uso de pequenos trechos da obra, obviamente, sem a finalidade de lucro e para uso privado. Mas a lei não especifica o que são “pequenos trechos”, então, é preciso muito bom senso na reprodução.
Quando um autor negocia o uso da obra com alguma entidade, nós, terceiros, não sabemos os detalhes da negociação, as restrições de uso. Então, no caso de obras disponíveis na internet, eu recomendaria sempre buscar sites oficiais, que, via de regra, trazem em seu rodapé a política de privacidade e os termos de uso dos materiais ali disponibilizados. Quase ninguém os lê, mas eles têm se tornado cada dia mais importantes.
Que lição você tira da sua experiência na área?
Certamente, o respeito à propriedade intelectual da mesma forma como ele é prestado à propriedade material, como sobre um imóvel ou um veículo. Usando como exemplo a pirataria, muitas pessoas, nem sempre mal-intencionadas, pensam que ela pode ser um grande benefício, mas desconhecem o grande esforço por trás da obra. Toda a cadeia produtiva, desde a idealização, passando por, a depender do produto, planejamento, execução, edição, finalização, logística e publicidade, até chegar às mãos do consumidor final, requer um trabalho gigantesco que envolve muitos investimentos. Muita gente não faz ideia do que a pirataria representa, e do quão prejudicial é para a sociedade como um todo, por quebrar o ciclo produtivo que beneficia a todos nós com as criações.
DIA MUNDIAL DO LIVRO E DO DIREITO DO AUTOR
Esta matéria é pautada na data comemorativa, em vigor desde 1995, quando foi criada na XXVIII Conferência Geral da UNESCO para promover a publicação e a leitura de livros e proteger os Direitos Autorais. O dia 23 de abril foi escolhido por ser a data de nascimento ou morte de grandes nomes da Literatura, como Miguel de Cervantes, William Shakespeare, Garcilaso de la Veja, Maurice Druon, Vladimir Nabokov, Josep Pla e Manuel Mejía Vallejo.