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Coluna | Rodrigo Silva

A importância da cosmovisão

Por que você pensa de um determinado jeito sobre as coisas? Essa é a cosmovisão, o jeito de você ver o mundo. Leia o texto do Dr. Rodrigo Silva e saiba mais


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Foto: Shutterstock

Todos nós, indistintamente, temos uma interpretação de mundo que é moldada por nossos valores, crenças e até pelos nossos questionamentos. Tudo isso forma nossa visão de mundo, isto é, nossa cosmovisão. O mais interessante dela é que as pessoas a possuem mesmo sem ter a mínima noção do que se trata.

E mais: a possuem e a utilizam, pois a cosmovisão funciona como um óculos com o qual enxergamos a realidade. Seria como pedir pessoas diferentes para escreverem sobre a vida de Martinho Lutero. Católicos conservadores dirão que ele foi um traidor da Igreja, historiadores mais abertos dirão que foi um monge incompreendido e protestantes afirmarão que foi quase um profeta levantado por Deus.

Como você vê neste exemplo, a história nem sempre busca narrar os fatos tal como eles ocorreram. Ela busca a justificativa ideológica para determinado ocorrido e nossas próprias convicções também exercem seu papel neste sentido.

Cosmovisão, portanto, seria neste sentido o conjunto das pressuposições cognitivas, afetivas e valorativas fundamentais que um grupo de pessoas faz sobre as coisas da natureza, e que elas usam para organizar as suas vidas. Quem deu esta definição foi Paul G. Hiebert, autor do livro Transformando Cosmovisões, cuja leitura recomendamos para você. Contudo, quem percebeu bem esse fenômeno de reconhecimento da realidade, ou pelo menos deu esse nome a ele, foram os alemães no século 18.

Procurando definir uma doutrina do conhecimento e como os homens percebem o mundo em redor eles criaram a palavra Weltanschauung para definir o modo como enxergamos as coisas que acontecem em redor. Quem usou pela primeira vez o termo foi Immanuel Kant no seu livro Crítica do Julgamento, publicado em 1790.

Eu sei que, num primeiro momento, isso tudo parece uma perda de tempo. Parar para discutir como se forma nossa compreensão de mundo talvez soe coisa de quem não tem o que fazer, mas não é bem assim. Nietzsche dizia que “nada aprisiona o homem mais do que suas convicções” e ele estava certo, pois é a crença em determinadas ideias e ideais éticos que nos move a agir ou não agir em prol de uma causa. A crença interior leva alguns ao sacrifício, à ação e talvez até ao martírio.

“Crença interior” é uma expressão muito próxima da palavra cosmovisão. É ela que leva você a lutar por alguns direitos e ignorar outros. É ela que o faz agir como está agindo de modo bom ou repreensível. Logo, imagine o perigo de uma cosmovisão errônea.

Normalmente, as cosmovisões que construímos parecem partir ou nascer de três fontes: primeira, uma noção de pertencer, todos nós queremos fazer parte de um grupo. Segunda: necessidade de afeto. Por querer ser amados e queridos, terminamos nos adequando às regras desse ou daquele grupo. É para ser aceitos que assumimos certos modos de vestir, falar, comportar.  E, por fim, em terceiro lugar: nossa identidade pessoal. Não é normal recebermos tudo automaticamente, nós reagimos ao que recebemos, seja pelo gosto pessoal, por um trauma criado ou pelo simples movimento de nosso livre arbítrio.

Sendo assim, uma cosmovisão não é algo que “boooommm” surge num único instante de nossa vida. Ela vai sendo construída aos poucos e está sempre sendo atualizada, modificada, confirmada... depende das experiências que temos e de como respondemos a cada uma delas. Um trauma com um pai violento e ao mesmo tempo religioso pode fazer com que mudemos nossa concepção de crentes para ateus. Em contrapartida uma situação de “fundo de poço” pode nos levar a buscar Deus de um modo nunca fizemos, isso se chama conversão.

Assim, a filosofia, a religião, os amigos, os inimigos enfim, as relações sociais que temos ao longo de nossa existência ajudam a construir nossa cosmovisão, mas não a determina-la. No final da história, é você quem decide como verá o mundo e não outro. Cada um é responsável por si, desde, é claro, que esteja no pleno uso de suas faculdades mentais.

Portanto, o que podemos dizer? Em síntese, que a cosmovisão é composta em parte por um núcleo central, isto é, uma estrutura que é fruto das relações sociais que temos. Esse mesmo núcleo costuma ser resistente a mudanças, embora não signifique que seja imutável – lembre-se que a cosmovisão está constantemente sendo atualizada! Porém, o que foi dito até agora localizou muito a cosmovisão no indivíduo e suas relações com o público externo. Existe, no entanto, uma cosmovisão grupal, isto é, quando uma sociedade em peso pensa de um modo e pode, por isso, ser caracterizada de uma ou de outra maneira.

Por exemplo: mesmo havendo pessoas que não aceitassem a escravidão dos negros, podemos coletivamente dizer que o Brasil colonial era uma nação escravocrata. Percebeu o processo? Viu como a cosmovisão é algo ao mesmo tempo individual e coletivo? A diferença é que a individual dura uma vida e a coletiva pode durar por séculos.

O desafio aqui é por em prática o que disse o filósofo e ensaísta americano Ralph Waldo Emerson: “É fácil viver no mundo conforme a opinião do mundo. É fácil viver na solidão, conforme a nossa opinião. Grande será o indivíduo que, mesmo em meio à multidão, conseguir manter com perfeita doçura a independência da solidão.”

Além disso, é importante anotar um detalhe citado pelo antropólogo Alfredo Austin que disse: “pertencer a uma tradição ou possuir uma cosmovisão não implica, de maneira nenhuma, em uniformidade de pensamento, mas sim em capacidade relativa de intercomunicação e interação em um dado contexto social” (Anales de Antropología, Universidad Nacional Autónoma de México, México, vol. 32, n. 1, 1995, p. 217).

Há autores, porém, que negam o conceito de cosmovisão para hoje, pois entendem que ele só diz respeito a sociedades tradicionais, com uma estrutura de tradição forte e estreita relação entre indivíduo e sistema. Hoje viveríamos um período “pós estrutural” onde os indivíduos não são mais motivados a pensar conforme a cartilha de um partido, religião ou governo? Será?

De minha parte, continuo convicto que as estruturas de pensamento individual e coletivo estão tão presentes hoje como estiveram no passado. O desafio é reconhece-las e ter uma posição crítica em relação a elas ou seja, saber porque você escolheu determinado caminho e que consequências advirão disso.

Quem não sabe para onde está indo, jamais chegará a lugar algum.

Rodrigo Silva

Rodrigo Silva

Evidências de Deus

Uma busca pela verdade nas páginas da história.

Teólogo pós-graduado em Filosofia, é mestre em Teologia Histórica e especialista em Arqueologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Doutor em Arqueologia Clássica pela Universidade de São Paulo (USP), é professor do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), curador do museu arqueológico Paulo Bork, e apresentador do programa Evidências, da TV Novo Tempo.