O ritmo do materialismo
Em nossa vida frenética, consideramos como essenciais certas coisas, bens, sonhos, metas... Mas, será que realmente o são?
Vamos continuar a série #materialismo com o quinto artigo.
Contemple a seguinte cena: Um homem do campo habita com sua família em um vislumbrante vale. Sua casa é rodeada por natureza e seus animais estão espalhados por toda parte, assim como seus filhos, brincando ou trabalhando nas coisas do sítio. Sua família é pequena para as proporções campestres; tem apenas dois filhos e duas filhas. Sua esposa está sempre atarefada com o cuidado da casa e da família, provendo sempre uma saborosa refeição todas as manhãs, tardes e noites. Ele trabalha no campo todos os dias; o seu rendimento é sua sobrevivência. Ao anoitecer, os lampiões são acesos, afinal, a casa não possui energia elétrica. Eles conversam e brincam enquanto esperam a deliciosa janta. Não há barulho de TV como fundo da conversa, apenas o som dos animais noturnos. Após uma simples e saborosa refeição, todos se reúnem por alguns minutos e logo se despedem para dormir. Às 18h30 as crianças adormecem, e às 19h50 todos já estão na cama. Às 4h30, a esposa se levanta para preparar o dejejum. Às 5h, o galo canta, o homem acorda, o cheiro de pão quente e leite fervido impregna a casa. Mais 30 minutos e todos estão na mesa. O dia já começou. Às 6h todos estão em suas devidas atividades. E a vida recomeça.
Se você nasceu em cidade grande deve estar desesperado só de imaginar a vida simples dessa família. Talvez esteja indignado com tanto desprezo pelo que você considera “essencial”. Ou, talvez, esteja morrendo de inveja dessa família. Mas o fato é que vivem uma vida incomparavelmente menos ansiosa e frenética que a nossa, como moradores das cidades. Isso pode ser muito bom, pode ser paz e felicidade, mesmo que não consigamos imaginar como. Reparem que eu disse: “pode ser”.
"Felicidade? Não é possível! Eles não sabem de nada que ocorre no mundo, não sentem o prazer de uma boa música, não conhecem as luzes da Times Square, nunca riram de uma boa piada em um seriado da TV por assinatura, não sabem o que Hollywood é capaz de recriar em seus filmes, não imaginam as atrocidades ocorridas na guerra da Síria, nem devem saber que o planeta está sendo arruinado por causa da maneira como o temos, predatoriamente, tratado. Desconhecem os furacões, Irma, José ou Maria! São uns ignorantes! Como podem ser felizes?
Assistindo a uma palestra do professor de teologia e psicologia, Graciliano Martins, há alguns anos, aprendi que o desejo só existe quando falta o objeto desejado. Ninguém deseja água se não estiver com sede, sombra se não houver calor ou um relógio até que precise verificar as horas. É na percepção da falta que as necessidades surgem. Não damos falta do que não precisamos no momento. Por isso, ninguém é capaz de desejar o que não conhece, ou não sabe que existe. Por isso, nada do que temos e de que sentimos falta em nossa vidinha civilizada faz falta àquela família imaginada no começo.
Em nosso caso específico, o conhecimento que temos de tanta coisa nos faz desejar cada vez mais coisas. Usei o exemplo fantasioso da família no campo para expor a nossa própria vida, para nos fazer enxergar a nós mesmos. A onda de consumo nos empurra uma lista de desejos sempre crescente e atualizável. E nós somos aprisionados por essa realidade! Parece impossível viver num lugar que não tenha padaria, internet, sinal de celular e muito menos luz. Só quando passamos um mês sem ver o jornal da TV é que percebemos que não precisamos dele para viver; a vida continua, quer você saiba o que ocorre nela ou não.
Stephen Kanitz, em artigo publicado na Revista Veja em agosto de 2002 (ou seja, informação muito velha para os padrões atuais), informava que, a cada 18 meses, o volume de informações dobra. Dobra! Ou seja, se alguém fosse capaz de saber de tudo, em apenas um ano e meio saberia apenas metade do conhecimento vigente. Logo, a cada 18 meses, as possibilidades aumentam, o volume de desejos pode dobrar. O vazio da falta aumenta e somos cada vez mais aprisionados nesse sistema que chamamos de civilização, progresso. A última contagem do volume de informação feito indica que o volume dobra a cada 12 meses agora. A Google já tem estimativas maiores no patamar dos dias, e não dos meses. Quanto mais informações, maiores são as cobranças internas, os desejos e as metas.
Hoje somos estressados, não temos tempo para nada. Tudo tem que ser rápido, desde nossos alimentos até nossos relacionamentos. Vivemos em busca de uma felicidade que nunca vamos alcançar, uma utopia, perseguindo o inalcançável, tentando o domínio do indominável. Obesos de sonhos.
Quando surgem, então, em nossas sociedades, sociopatas de todo tipo, terroristas que parecem denunciar esse falso progresso, grandes golpes e pessoas cada vez mais individualizadas e egoístas, nos perguntamos: “por que?”
Nos cercamos dessas “coisas” e vivemos a vida para tê-las. Resumimos nossa existência em possuir, o máximo que pudermos, desde conhecimento até bens materiais. Somos consumidores de tudo que soubermos ser desejável. Presos em um ciclo maligno de autodestruição e infelicidade.
Cristo rebate essa nossa doença contemporânea com as antigas palavras: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28, grifo acrescentado). Como aliviará Jesus? Como? “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma” (Mateus 11:29).
Jesus pede para que carreguemos o “Seu jugo”. O jugo de Cristo é uma carga diferente da que estamos acostumados a carregar. É uma carga que não nos cansa nem nos sobrecarrega. Que carga é essa, mais leve que a nossa? Ele diz: “Aprendam comigo a ser mansos e humildes”. Os mansos não querem conquistar a Terra, e os humildes não pensam ser mais do que são. Os humildes não almejam ser reis e rainhas, não querem poder, fama e dinheiro. Humildes baixam suas expectativas e desejos e vivem em contentamento. São felizes com pouco porque não querem tudo. Jesus está falando de uma vida de contentamento e baixas expectativas. De desejos moderados e alvos menos estressantes. Está dizendo para mim e para você que nossa identidade e nosso valor não está nos sonhos exacerbados, no consumo desenfreado ou no fato de termos mais. Ele não está dizendo para não termos sonhos e metas grandes, está dizendo que devemos controlá-las a ponto de não serem um jugo destruidor. Está dizendo que nosso valor não vem disso. Que em Cristo, na humildade e na mansidão está tudo aquilo que a gente mais anseia na nossa busca por todas as coisas: “descanso para a alma”.