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Missionários cristãos explicam desafios na China

Conheça um pouco do trabalho realizado pelo projeto Missionários pelo Mundo na China com essa entrevista exclusiva da ASN


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Típica imagem da região onde vive o missionário e sua esposa. Foto: Reprodução Youtube.

Típica imagem da região onde vive o missionário e sua esposa. Foto: Reprodução Youtube.

O projeto Missionários para o Mundo (MPM) levou adventistas sul-americanos a vários países com pouca presença cristã a fim de desenvolver um relacionamento maior com as comunidades locais. A intenção é mostrar que o cristianismo pode ter um impacto social maior e eliminar preconceitos com as crenças mais comuns nessas regiões. Nessa edição, a reportagem da com um missionário que prefere ser identificado apenas pela sigla DR e que vive com a esposa na China desde o início do ano passado.

Qual é exatamente o trabalho realizado por vocês, onde estão exatamente e há quanto tempo?

Moramos na província de Guizhou, sudeste chinês. Essa província é uma das mais pobres da China, mas, ao mesmo tempo, uma das que mais crescem. A maior migração de pessoas no mundo tem ocorrido na China nos últimos 30 anos. Contudo, em nossa província, como o desenvolvimento demorou um pouco mais, essa migração está acontecendo agora. Chegamos aqui no início de 2015 e, de um ano para o outro, percebemos como as pessoas têm vindo para a cidade. Nós moramos na capital, Guiyang, que nos padrões chineses é uma cidade pequena. Ela tem “apenas” 4.5 milhões de pessoas, com dados de um censo já ultrapassado. A realidade possivelmente já se aproxima de seis milhões de pessoas. Aqui na China o principal feriado é o ano-novo chinês que muda a cada ano, pois é comemorado de acordo com o calendário lunar. No ano novo chinês, quem está na cidade, volta para a sua cidade natal, e conta como está indo no trabalho, ganhando dinheiro, comprando itens que há alguns anos jamais sonharia em ter. E quando os familiares, amigos e vizinhos ouvem acerca do sucesso de quem foi para a cidade, a reação é imediata. Muitos a cada ano, na época do ano novo chinês, decidem ir para a cidade. Logo, a quantidade de apartamentos construídos e ocupados não para de crescer, os congestionamentos são cada vez mais rotineiros e todos os lugares são extremamente lotados.

Ao chegar na China, tivemos uma semana de preparação em Hong Kong, que oficialmente faz parte da China, mas na prática é bem diferente. Lá fomos orientados acerca de como poderíamos ajudar a igreja local. O primeiro objetivo de alguém que vem aqui nessas condições é aprender a língua. Para isso, e também para obter residência legal no país, solicitamos o visto de estudante. A nossa rotina nos últimos dois anos tem sido principalmente de muito estudo. Estudo da língua, da cultura, dos caracteres chineses. Em paralelo, fomos apresentados à pequena igreja adventista já existente na cidade de Guiyang. Temos por volta de 28 membros, sendo 25 idosos, uma criança e dois jovens.

Como tem sido a adaptação cultural?

Quando se chega na China pela primeira vez, o choque cultural é inevitável. Na verdade, ao sair do país de origem esse choque sempre é sentido, contudo, em nosso caso, o começo teve alguns fatos marcantes. Chegamos em Guiyang no finalzinho do inverno. Nosso primeiro sentimento, ao sair do avião, foi de querer voltar pra dentro da aeronave. Zero graus no local, as árvores secas, e uma paisagem completamente diferente de tudo que já havíamos visto até então. Havíamos estado em Hong Kong por uma semana, com temperaturas em torno de 18 graus centígrados e, depois de viajar uma hora e meia, chegamos à região montanhosa que veio a ser nosso lar até o momento. Aquela primeira sensação foi sendo substituída pela curiosidade e desejo de entender o povo que nos cercava. Quando alguém decide servir em outro país, decide também reaprender a viver, e foi isso que aconteceu conosco; reaprendemos a viver de uma forma que antes não imaginávamos. Hábitos como beber água fervendo começaram a fazer parte da nossa rotina. Os caracteres que no começo não faziam sentido algum, agora já podem ser interpretados – de forma ainda parcial – mas já podem ser interpretados.

Ser estrangeiro na China é motivo de constante observação. As pessoas constantemente apontam pra você, e falam: Olha um estrangeiro! A maioria deles supõe que estrangeiros jamais poderiam falar uma língua tão complexa como o mandarim, logo, quando você começa a falar com eles, a surpresa é geral.

Ao mesmo tempo, o povo chinês é amável, e surpreendentemente acolhedor. Em alguns momentos no começo nos sentíamos meio como crianças superprotegidas pelos pais. Nossos amigos nos ajudam em tudo, em várias ocasiões, e louvamos a Deus por isso. Temos percebido o amor dEle cuidando de nós em diversas ocasiões.

Quais as características que mais desafiaram vocês nessa região?

Desde a abertura econômica da China, em 1980, a população chinesa percebeu que pode “melhorar de vida”. Durante os anos da Revolução Cultural na China, Mao Tsé-Tung, com mão de ferro, implantou políticas que viriam a transformar a China. Mas para que suas políticas funcionassem, muitos foram presos, mortos, expulsos do país e milhares passaram por fomes terríveis. Muito se brinca que o chinês come “de tudo que se move”, mas a história demonstra que isso ocorre de fato, pois houve período em que comer insetos, cães, ou simplesmente “vegetação” era a única forma de sobreviver.

Com a abertura, e com o fato de a China ter se tornado fonte de mão de obra barata para o restante do mundo, a população entrou em uma busca desenfreada pelo dinheiro e posses. Hoje, na China, a cultura local demanda que cada família tenha sua casa própria, de preferência que tenha mais que uma casa, que tenha um carro, preferencialmente importado, a fim de ganhar “status” na sociedade, que possua os itens mais caros e luxuosos possíveis. Marcas de luxo como Rolex, Lamborghini, Porsche, Mercedes Benz e muitas outras têm presença forte até mesmo em cidades consideradas “pobres” dentro da China. Isso realça ainda mais o contraste social aqui dentro. O país que supostamente deveria ser comunista, no sentido de todos desfrutarem igualmente de certos benefícios sociais, em realidade reforça a ideia do individualismo, da preocupação apenas consigo e a sua própria família. Generosidade, altruísmo, e disposição em ajudar estão “fora de moda” por aqui. A busca pelo dinheiro é mais que um desejo de alguns indivíduos, é uma demanda da sociedade. Propriedades e bens desejados são muito caros, mas, em contraste, um jovem quando vai pedir sua namorada em casamento, precisa deixar claro para a família dela que tem “condições” de cuidar dela. Neste caso, geralmente as tais “condições” são ter um apartamento, carro e um salário alto. Alguns que não conseguem provar que possuem os tais requerimentos são automaticamente “reprovados” pela família – e em muitos casos pela própria namorada/noiva.

Isso influencia diretamente a pregação do evangelho. Pregamos a guarda do sábado, mas os chineses trabalham sete dias por semana. A exceção são os grandes feriados chineses, talvez 2 ou 3 vezes ao ano. Essa busca pelo dinheiro, aqui chamada de 装钱 (zhuangqian), é assunto comum na vida diária dos chineses.

Infelizmente, muitos dos nossos membros aqui também não resistem à pressão do trabalho, e da necessidade de buscar dinheiro. Por fatores culturais, muitos não conseguem dizer “não” quando o chefe o convoca pra trabalhar no sábado, e acabam indo. O conceito de “pôr do sol a pôr do sol” também é bem complicado por aqui.

Mas a igreja é legalmente aceita por aí ou não?

A igreja na China é considerada um território “não-organizado”. O que significa isso? Na prática, é simples: Como o governo chinês não permite que qualquer igreja cristão chinesa “responda” a uma “instituição” fora da China, logo, surgiu a necessidade de organizar cada igreja localmente. Isso cria um contraste também entre as igrejas dentro da China. Contraste em questões de tamanho, de doutrina, e administração. Basicamente, cada igreja tem um(a) líder. Esse(a) líder pode ou não ser um(a) pastor(a), pode (ou não) ter estudado Teologia, e pode (ou não) ter crenças pessoais diferentes de outras pessoas/igrejas. Na prática, temos pelo menos seis modalidades de adventismo dentro da China, alguns deles bem fiéis à Bíblia, e alguns mais “liberais”. Isso dificulta um pouco o trabalho em alguns momentos.

Mas o que realmente impressiona é que, mesmo a despeito de tantos fatores aparentemente contrários, a igreja é amparada e cuidada por Deus. A cada ano, novos grupos estão sendo abertos, e grupos antigos, que não se tinha conhecimento são descobertos, e registrados. Hoje, existem mais de 400 mil adventistas na China. É claro que comparativamente com outros países esse número é muito pequeno, mas Deus tem chamado e trazido pessoas para ajudar, tem inspirado os membros a pregar, e o evangelho vem crescendo. [Equipe ASN, Felipe Lemos]