Estudo aponta que 40% das evangélicas sofrem violência doméstica
Para combater a violência doméstica, especialistas indicam a educação como solução
Engenheiro Coelho, SP... [ASN] No dia 25 de novembro de 1960, na República Dominicana, três irmãs eram brutalmente assassinadas pelos agentes do ditador Rafael Leônidas Trujillo. Las Mariposas, como eram conhecidas Pátria, Minerva e Maria Teresa, faziam parte do grupo de oposição que tentava combater as duras imposições ditatórias. Os corpos das irmãs foram encontrados em um precipício com os ossos quebrados e marcas de estrangulamento. Essa data ficou marcada na história, por isso, desde 1981, é hoje considerada o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher, dia 25 de novembro. Casos como esse, mesmo sem essa repercussão, acontecem todos os dias no mundo. Acontecem em toda a América do Sul, em cidades pequenas, na casa ao lado.
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A Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou, em 2015, um ranking de femicídios apontando o Brasil como o quinto país com mais mortes de mulheres no mundo. No topo, ocupam países como Colômbia e El Salvador. O que chama a atenção dos especialistas, no entanto, é a razão disto ocorrer. "A violência contra a mulher envolve questões culturais muito antigas que estão enraizadas no âmago da nossa sociedade. Ela é, principalmente, uma questão de direitos humanos e foi considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma epidemia de saúde global", declara a mestre em Comunicação e especialista no assunto, professora Betina Pinto.
Segundo dados da Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180 registrou em 2015 749.024 atendimentos entre denúncias e orientações. Em média, esse número equivale a 62.418 ligações mensais e 2.052 por dia. Desse total, 76.651 (10,23%) são relatos de violência. Dessas agressões, 50,16% são físicas, 30,33% psicológicas, 7,25% moral, 2,10% patrimonial, 4,54% sexual, 5,17% de cárcere privado e 0,46% de tráfico de pessoas. O levantamento aponta que mais de 77% das vítimas têm filhos e que aproximadamente 80% deles presenciam ou também sofrem agressões. Para se ter uma ideia mais concreta, 3 a cada 5 mulheres sofrem violência no mundo.
No contexto cristão, a violência doméstica também é recorrente. A Universidade Presbiteriana Mackenzie realizou um estudo com base em dados colhidos de Organizações Não-governamentais (ONGs), e aponta que 40% das evangélicas sofrem violência em seus lares. Inclusive, muitos agressores professam a mesma fé.
Realidade
Estes números confirmam a história da balconista Roseli Carlos. Durante sete anos, ela e seus quatro filhos foram vítimas da violência doméstica. As agressões eram físicas, psicológicas, patrimoniais e morais. “Quando entrei nesse relacionamento eu já tinha três filhos e logo engravidei. Depois disso, as coisas ficaram diferentes. Ele me hostilizava, tinha muito ciúmes de mim, agredia-me e a meus filhos. Eu chegava em casa e via as marcas das agressões neles e quando eu reclamava, sobrava para mim. Em uma ocasião, ele quebrou o braço da minha filha”, lembra a mãe.
A balconista relata que, por diversas vezes, os filhos ligaram para a polícia com o intuito de intimidar o agressor, mas nada acontecia. “Nós tínhamos muito medo dele. Quando os policiais chegavam, não tínhamos coragem de falar o que acontecia por medo das consequências. Ele falava que iria me matar, mas na frente das autoridades era a pessoa mais simpática que existia. Nunca houve problema com ele pelas denúncias feitas”, lamenta.
Vídeos utilizados em campanhas do projeto Quebrando o Silêncio:
Educação versus Justiça
Esse caso só foi tratado pelas autoridades dessa maneira porque aconteceu antes de 2006. Desde que a Lei Maria da Penha (Lei N 11.340) entrou em vigor, há dez anos, a punição para esse tipo de crime se tornou mais severa, pois oferece proteção completa à mulher. Antes, casos de agressão eram tratados e julgados como crimes de menor potencial ofensivo. Com a nova lei, a competência para julgar esses crimes foi transferida e, como consequência, foi criado o juizado especializado de violência doméstica e familiar contra a mulher.
A ONU já considerou a Lei Maria da Penha como a terceira melhor lei contra a violência doméstica do mundo. As campanhas de conscientização colaboram para que o assunto seja mais difundido e respeitado, mas é necessário mais empenho na causa, como explica Cristiane Brandão, doutora em Ciências Humanas e Saúde. “Várias medidas devem ser tomadas em conjunto, mas a educação não sexista é fundamental. Séculos de cultura patriarcal não cedem facilmente a poucos anos de investimento. É necessário persistir e adotar linguagens atuais, como recursos audiovisuais e aplicativos para celular”, aponta Cristiane.
Para a especialista Betina Pinto, "é preciso empoderar as mulheres, pois muitas continuam vivendo num ambiente violento porque não dispõem de condições financeiras mínimas para se manter ou criar os próprios filhos sozinhas", acredita. Mediante este cenário, Betina ainda aconselha que, para que isso ocorra, é preciso antes, no entanto, criar condições para que sobrevivam. "É necessário a qualificação delas com a criação de cursos ou oficinas, quer por meio da oportunidade de trabalho imediato ou por meio da criação de cooperativas", continua.
A doutora Cristiane também orienta as vítimas a fazerem suas denúncias por meio dos canais de atendimento disponíveis como a Delegacia de Polícia, Núcleos de Defesa da mulher, Centros de Referência e centrais telefônicas. O número 180 é da Central de Atendimento à Mulher. As denúncias recebidas são encaminhas aos sistemas de Segurança Pública e Ministérios Público de cada estado. As ligações são gratuitas e o atendimento funciona 24 horas.
Quebrando o silêncio
Pensando em colaborar e auxiliar vítimas da violência doméstica, em 2002 a Igreja Adventista do Sétimo Dia criou o projeto educativo Quebrando o Silêncio que atua em oito países da América do Sul. O objetivo da campanha é incentivar pessoas a enfrentarem seus medos e a denunciarem qualquer tipo de agressão sofrida.
Essa campanha acontece durante o ano todo, mas no quarto sábado do mês de agosto ela recebe uma atenção especial. Essa data é reservada para o “Dia de ênfase contra o abuso e a violência”, quando são organizadas passeatas, fóruns e eventos de educação contra a violência. A ênfase desse projeto é alterada a cada ano, mas o alvo é sempre conscientizar a população sobre as diferentes formas de violência contra a mulher, criança e idoso. [Equipe ASN, Karine Rodrigues]