O Leviatã e a centelha do divino em nós
Ser alguém relevante na sociedade é permitir que haja mais do divino em nós. Reflexão interessante. Vale a leitura!
As primeiras cenas são de câmeras de segurança espalhadas pela cidade. A qualidade das imagens e a trilha incidental não deixam dúvidas de que estamos diante de um vídeo publicitário. Mas há algo diferente ali. As imagens bem produzidas desaparecem, e surgem imagens flagradas pelas próprias câmeras de segurança. São situações reais, captadas por câmeras que existem para controle e segurança de uma cidade. Mas o que vejo me emocionou como poucas vezes consegui esse ano. Um cadeirante em dificuldades recebe a ajuda de um motoqueiro, que esquece de seu trajeto para socorrer aquele que está em dificuldade. Um outro ajuda um deficiente visual a atravessar uma rua. Há aquele que socorre um outro, que caiu da bicicleta e se machucou. No meio da noite, pessoas distribuem refeição para moradores de rua. “Quando você menos espera, o bem aparece”, declara, em off, uma voz suave e convidativa. E continua: “Pessoas ajudam outras pessoas que nem conhecem. O bem pode fazer coisas incríveis quando tem a chance. Ele se espalha, se multiplica, é incontrolável. Se você prestar atenção, vai ver que coisas boas acontecem o tempo todo”.
O vídeo se chama Flagrantes do Bem. É uma produção da Secretaria Executiva de Comunicação Social do Governo de Pernambuco. Recebo pelo Whatsapp do titular da pasta, amigo de longa data, com quem tive a oportunidade de concluir o curso de Jornalismo.
Em nossa jornada estudantil, o que mais nos aproximava era o ideal de fazer a diferença para o bem do outro, para o bem comum, para um mundo melhor. O desejo de levar a religião para além da preocupação com as ameaças de um mundo hostil a fé, e de abraçar a oportunidade de servir que só a verdadeira liberdade pode nos fazer enxergar. De alguma forma, é o que tentamos fazer hoje em dia, quase 20 anos depois da formatura.
O ano de 2015 foi bem difícil. As demonstrações de ódio se multiplicaram na medida em que o ressentimento prosperou. A hostilidade no trato pessoal não poupou ninguém. Nem mesmo as instituições. Até mesmo fiéis se sentiram estranhamente à vontade com a cultura “hater”, predominante nas redes sociais. O avanço da comunicação digital é uma das grandes conquistas da humanidade, mas é incrível como ela foi usada para o mal. Os meios de comunicação evoluíram, e esta evolução só fez jogar ainda mais luz sobre uma verdade descrita pelo apóstolo Paulo, milhares de anos atrás, quando concluiu que todos foram alcançados pelo mal e carecem de Deus para superar essa experiência de degradação (Romanos 3:23).
Eu lembro do Leviatã, obra do filósofo inglês Thomas Hobbes. O Leviatã é uma referência a um mito, uma serpente que entra em acordo com os homens. Quem não cumpre o acordo é devorado pela serpente. Hobbes tinha um pensamento radical: o homem nasce dominado pela natureza do mal, é devorado pela maldade, e portanto é incapaz de viver em sociedade.
O pensamento de Hobbes traz esta lembrança com a condição humana descrita por Paulo acerca do predomínio da maldade no homem, mas o fato é que este não é necessariamente o destino da humanidade. Há a chance de ser bom, de se libertar do mal, de fazer prevalecer a graça divina. “Conhecerei a verdade”, afirmou Jesus, “e a verdade vos libertará” (João 8:32)
O escritor Ariano Suassuna, em uma de suas palestras, ao afirmar sua convicção no criacionismo, disse acreditar que existe no homem uma centelha do divino. É isso que vejo no vídeo produzido pelo meu amigo. Em uma era de tanta descrença na capacidade humana de empatia, é revigorante assistir, numa peça de propaganda de uma instituição pública, não a um anúncio de uma obra ou programa de governo, mas a expressão da centelha divina agindo por meio das pessoas.
Pessoalmente, espero fazer de 2016 uma peregrinação pessoal em busca da centelha divina em mim. Buscar força e humildade necessárias para transformar esta centelha em uma fogueira, com mais espaço para a compaixão, a compreensão, a empatia, a generosidade, a busca pelo bem comum. Sei que não consigo pelo meu próprio esforço. Mas sei, igualmente, que não estou sozinho.
Um Feliz Natal e um 2016 repleto de compaixão para você.