O cinema e a identidade do adventismo relevante
A busca pelo equilíbrio deve fazer com que abramos mão da nossa força e deixemos que o Espírito Santo guie.
Algo que deixa muitos pastores e obreiros tristes é a ênfase do “pode versus não-pode” em uma sessão de perguntas depois de uma palestra. Precisamos sim saber o que é devido ou não, mas quando ficamos exageradamente focados nisso, aí podemos ter o sintoma de algo maior. Essa discussão de usos e costumes ganhou força no mês passado. O assunto do uso do cinema para fins evangelísticos veio das redes sociais para muitas igrejas. E tive o privilégio de participar de uma espécie de mesa redonda onde vários grandes pensadores da igreja no nosso território deliberavam sobre este tema.
Daquele brainstorming, dois comentários me chamaram a atenção. O primeiro, sobre a relevância que a presença da igreja no mundo precisa ter. Na lição da Escola Sabatina deste trimestre, estamos estudando sobre essa grande necessidade da contextualização da mensagem. O mundo precisa entender, em sua própria “língua”, o que estamos pregando. E o outro comentário foi sobre a identidade singular que a igreja precisa manter no contexto em que ela está inserida. Somos um movimento de missão que nasceu de uma profecia, tem a tríplice mensagem angélica a proclamar de forma singular e, assim, agrega crenças distintivas que somam uma plenitude da sistematização de tudo aquilo que já conseguimos compreender da Revelação.
Relevância e identidade. Termos que parecem, em primeira mão, ser paradoxais. Porque temos uma identidade pela qual lutamos por sua preservação como igreja. Então, quando zelamos tanto dessa identidade podemos correr o risco de ir para o extremismo, onde a identidade, tão importante como um fim em si mesma, nos faz alienar da sociedade, perder a relevância. Sem relevância, para quê identidade? Por outro lado, temos o perigo de então abrir mão deste radicalismo de identidade para nos tornarmos relevantes, chegando a nos alinharmos tanto com a linguagem do público-alvo a ponto de perdermos a identidade. E sem identidade não haverá mais relevância. É uma linha tênue.
O espectro onde buscar o equilíbrio de não ter exagerada identidade a ponto de perder a relevância e perder a importância da própria identidade, e de não ter tanta relevância a ponto de perder a identidade e anular a própria relevância é longo. Mas não existe antagonismo nisso. Existe a necessidade de um equilíbrio que não seja sincrético. Sim, é uma tarefa difícil! É como pisar num pântano minado por baixo e embaçado por cima. Como encontrar segurança?
O motivo por trás da busca determinará o extremismo ou o bom senso. O que origina a busca pela relevância? Quais são as razões do zelo pela identidade? Não é suficiente fazer o certo. É preciso ter a motivação correta. É difícil classificar os tantos motivos errados, mas a origem correta é fácil de ser vista. Você precisa ler Mateus 16:13-28: uma conversa de Jesus com os discípulos sobre a identidade e a relevância do Mestre, da Igreja e de Sua missão. Na primeira parte, Pedro agiu como um homem muito à frente de seu próprio tempo com um insight, se não louco, sobrenatural. Ele reconheceu e declarou que Jesus era o Messias! Pense em tudo o que isso significava! Mesmo assim, tal zelo foi uma bênção, pois ele fora motivado pelo Espírito Santo. Logo em seguida, o mesmo discípulo faz outra inserção, porém agora desastrosa. Desta vez, a origem da ação humana deixara de ser divina.
Não muito tempo depois, quando chegou a hora de alavancar a missão, o santo discurso dos discípulos é traduzido para as línguas supostamente pagãs (Atos 2). O próprio Pedro se vê obrigado a quebrar as regras religiosas em nome da pregação (Atos 10 e 11). E por que tudo aquilo não caiu no extremismo desastroso? Quem sabe como alcançar a relevância sem perder a identidade é o Espírito Santo. Note que foi Ele quem fez tanto a condução à casa de Cornélio quanto a tradução idiomática.
A língua é um fator cultural que, no mundo antigo, poderia chegar a ser considerado santo ou profano. Entre os judeus, o zelo pelo hebraico canônico era muito grande. Mesmo os trechos vétero-testamentários que foram escritos em aramaico ainda tinham sido dados numa língua “do povo de Deus”. Mas quando o cristianismo começou, o idioma internacional era o grego. E os santos homens cometeram a audácia de redigir as Escrituras nesta língua que não seria sagrada? Espere! Na Revelação, a inspiração é dada pelo Espírito Santo (2Pedro 1:21). Ele foi o autor que escolheu ter agora um cânon mais relevante.
É daí que vem a única segurança que podemos ter. A maioria dos religiosos prefere polarizar-se porque o malabarismo do equilíbrio é temeroso. Na corda bamba, precisamos que Alguém nos dê a mão. O zelo pela identidade é tão necessário ao testemunho pessoal e à igreja quanto a relevância da contextualização missional. E no risco da busca por esse equilíbrio, temos que abrir mão da nossa força e deixar que o Espírito Santo guie. Ou seja, a nossa principal preocupação deve ser a busca intensa pelo reavivamento. Quando chegarmos a esta plenitude, estaremos curados das discussões que forem inúteis. O que antes era importante, teremos considerado sem valor “por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus” (Filipenses 3:6-15). Porque a reforma em, por exemplo, censurar ou permitir o uso do cinema visando o testemunho do evangelho terá sido dada pelo Espírito Santo, o ponto final.