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Como vi a Reforma Protestante 500 anos depois

Cinco séculos após Lutero apresentar as teses que tinha para mudanças na Igreja, o mundo continua vivendo sob influência do movimento religioso


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Por Bruno Elmano

Igreja da cidade, em Wittenberg, Alemanha. Ao longo de sua vida, Lutero pregou mais de dois mil sermões neste local (Foto: Paulo Rios)

No 500º aniversário da Reforma Protestante ganhei a oportunidade de fazer um documentário para a TV Novo Tempo, com o desafio de retratar não apenas a história do movimento religioso, mas de entender quais são as consequências para o mundo, sentidas ainda hoje, decorrentes das mudanças promovidas dentro do ambiente da Igreja, mas que extrapolaram doutrinas eclesiásticas em uma época em que a separação dos poderes não era natural como hoje. A Igreja tinha mais poder sobre a vida das pessoas e ditava a forma de pensar de uma sociedade, e uma mudança do tamanho da Reforma, naturalmente, transformou o modo de viver em diferentes locais do mundo.

A consequência no Brasil 

Como brasileiro, tinha um interesse em entender como a sociedade em que vivo foi afetada. Mesmo com o recente ganho de influência evangélica nas esferas social e política, fenômeno que se intensifica desde a década de 1980, o nosso país não tem um grande impacto transformador causado pelo protestantismo, mas tem do movimento de Contrarreforma, surgido na Igreja Católica após os protestos.

Em São Paulo, fui até o Pateo do Collegio, primeira construção da cidade, realizada pelos jesuítas em 1554. A Companhia de Jesus tinha sido criada como uma das respostas da Igreja Católica ao movimento protestante, com objetivos evangelísticos. O Pateo hoje abriga museu, restaurante e uma capela, mas depois de ser inaugurado como um colégio para educação e catequização, foi até mesmo sede do governo estadual paulista, o que demonstra a importância que teve no passado.

O alvo dos protestos 

Saindo de São Paulo, nossa equipe partiu para Roma, capital da Itália. O local era o centro do cristianismo no século 16, época em que a Reforma eclodiu. Por lá, o primeiro ponto visitado foi a Basílica de São Pedro (veja no mapa abaixo), que começou a ser construída em 1506, e que até hoje impressiona pela grandiosidade. Tem capacidade para receber 60 mil pessoas em 23 mil metros quadrados de área construída pelos mais importantes arquitetos e artistas da época. Não faltam cuidados nos detalhes, como as 340 estátuas de anjos, santos e mártires. O dinheiro gasto na construção é desconhecido, o que se sabe é que a Igreja Católica Romana correu atrás de mais verba durante o período de obras. Representantes locais da igreja espalhados pelo mundo intensificaram a venda de indulgências, o perdão divino, que vinha através das autoridades da Igreja.

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Martinho Lutero visitou a cidade alguns anos depois, em 1511. Foi ali que despertou para algumas das ideias que começaria a espalhar nos próximos anos. Um ponto chave da virada aconteceu na Escada Santa, que fica ao lado da igreja mais importante da época, a Arquibasílica de São João de Latrão. A escadaria recebeu essa classificação porque teria sido usada por Jesus, em Jerusalém, no dia em que foi crucificado. Ainda em nossos dias podemos ver fieis que só podem subir os degraus ajoelhados. O mesmo foi feito por Lutero, quando intercedia pela alma de um parente, mas foi ali que ele pensou pela primeira vez que atos como aquele não faziam sentido e começou a questionar a influência das obras para a salvação.

A Reforma incompleta 

O terceiro destino foi a Suécia, país nórdico que teve uma religião protestante como oficial do estado até o ano 2000. Foram mais de 400 anos de um elo forte entre o poder político e a Igreja da Suécia, que é evangélica luterana. A história começou em 1527, quando a Reforma Protestante chegou ao país. A oficialização aconteceu em 1593, na Catedral de Uppsala, local em que nos deparamos com diversos elementos que mostram que a mudança não foi de 180 graus.

Dentro da igreja, que é a maior entre todos os países nórdicos, encontramos a estátua do Santo Erik, considerado o padroeiro do país, segundo a tradição católica. Nestes dias de comemoração aos 500 anos da Reforma, uma exposição temporária instalou em frente à estátua a primeira Bíblia traduzida para o sueco, que foi feita a pedido do Rei Gustavo Vasa somente no contexto da Reforma, afinal isso era impensável no período católico. O apoio de Vasa ao movimento é historicamente contestado. O Reformador da Suécia, Olaus Petri, refutou, por exemplo, a decisão do monarca de manter a ligação entre os poderes religioso e estatal, o que era comum na época, mas também um dos pontos de questionamento dos protestantes.

O país se secularizou ao longo dos anos e desde 2000, com a separação oficial entre igreja e Estado, o número de membros tem queda vertiginosa. Se antes o fato de ser sueco significava ser da igreja, quase 100% das pessoas do país tinham relação com a religião. Hoje esse número está em torno de 63%. E tende a cair mais, porque apenas 29% dizem ser religiosos (não luteranos, mas de todas as religiões) e apenas 8% vão à igreja com alguma frequência.

Apesar disso, tem impactos positivos do legado protestante. Conheci a capital Estocolmo, melhor local para ver como o país se desenvolveu. O Índice de Desenvolvimento Humano está entre os primeiros no ranking, dando aos moradores qualidade de vida das melhores possíveis. Entre os motivos está a visão sobre o trabalho, historicamente associada à bênção divina, uma forma de manifestar a glória de Deus, o que mudou a forma como determinadas sociedades se desenvolveram economicamente.

Onde a Reforma ganhou força 

Martinho Lutero não foi o primeiro e nem o último reformador, mas tem a data de comemoração do movimento protestante associada a um ato dele, o de fixar as 95 teses contra o pagamento de indulgências na porta da Igreja do Castelo, na cidade de Wittenberg, interior da Alemanha.

Tive a oportunidade de visitar o local e me deparei com uma bela porta de bronze com as inscrições de todas as 95 teses. Não foi assim na época. Pelas características históricas descritas, a porta não tinha nenhum atrativo especial e as teses devem ter sido pregadas entre outros diferentes recados para os estudantes, porque o local era usado como uma espécie de capela para a faculdade de Teologia de Wittenberg. Lutero era professor e não foi até a principal igreja da cidade, porque as teses, na verdade, eram a proposta de um debate.

O contexto não diminui o tamanho do ato. Lutero não apresentou aquele texto apenas dessa maneira, também enviou aos superiores dele na hierarquia católica. O conteúdo com duras críticas acusava até o líder supremo, o Papa. Por isso não sairia impune. Lutero manteve a palavra na Dieta de Worms, o que levou o protesto adiante. A consequente convulsão social uniu e dividiu a Alemanha. Uniu porque eram várias confederações diferentes e independentes no mesmo território e que se juntaram em torno do debate sobre o futuro. Dividiu porque nem todos aceitaram o protesto, desenhando uma Alemanha protestante ao norte, região da capital Berlim e de Wittenberg, e outra católica ao Sul, que inclui Munique e outras importantes cidades atuais.

O protestantismo já não é mais tão presente na região, principalmente desde o fim da Segunda Guerra Mundial, período em que os soviéticos passaram a controlar boa parte do Norte e influenciaram na difusão do ateísmo. A própria cidade berço da Reforma tem taxa de perto de 90% da população que não acredita em Deus, mas a história ficou bem preservada e não faltam homenagens na Igreja do Castelo (a das teses), que é onde Lutero foi sepultado, por exemplo.

Peregrinação para um novo mundo 

Voltei para o continente americano, mas na região norte, para conhecer os Estados Unidos, o destino de protestantes que questionavam como a própria Reforma tinha se desenhado em parte da Europa. Eram ingleses puritanos, com base nos ensinos de Calvino, que se viram perseguidos no próprio país por causa de segmentos diferentes do movimento. Em acordo com o poder político, conseguiram o direito de se estabelecer no novo mundo, na Nova Inglaterra, no começo do século 17.

Desembarcaram na bela região do Cabo Cod em 1620, onde hoje existe um monumento aos peregrinos. Essa classificação foi usada pelos próprios habitantes, que se viam em uma missão divina na terra prometida. Eles foram aos poucos dominando outras terras por perto, colocando em prática a ideia expansionista que seria melhor traduzida através do Destino Manifesto no século 19.

O grupo estabeleceu importantes instituições na história do país, como a Universidade Harvard, uma das mais conceituadas do mundo, tendo educado oito presidentes americanos, e que foi fundada em 1636 para formar clérigos. Foi na mesma região, na cidade de Boston, que gravamos em locais históricos da Revolução Americana, movimento político de independência, mas que teve elementos religiosos, como a apropriação dos líderes pela forma de discurso congregacional e igrejas como sede de discussão das ações do movimento. Por fim, a consequência foi ter no texto da Declaração de Independência diversas referências religiosas.

Os dois Luthers (Luteros)

Os direitos civis americanos estão relacionados a outro Lutero, o pastor protestante Martin Luther King Jr, que se tornou um dos ícones na busca por justiça social e direitos iguais do século 20. O Luther alemão não foi tão fundo nessa questão, mas foi o responsável por lembrar a sociedade mundial do princípio bíblico de que todos são iguais perante Deus. Até hoje existem conflitos étnicos nos Estados Unidos, mas os direitos, pelo menos no papel, são iguais. Até pouco tempo, negros não podiam sequer votar. Os dois Luthers são diferentes, com ideias distintas, mas conseguiram, cada um em seu tempo, expandir os sonhos e as visões para transformar a sociedade e diminuir a desigualdade.

A Reforma Protestante tem suas marcas ainda hoje na sociedade, o que é efeito do pensamento de Lutero. O reformador entendia, por exemplo, que a Bíblia deveria ser traduzida constantemente, para que fosse entendida por todos. Nesse sentido, o espírito do protesto não pode acabar.


BRUNO ELMANO é jornalista. Produziu e roteirizou o documentário “A Reforma que Mudou o Mundo” para a TV Novo Tempo