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Coluna | Wilson Borba

Haverá um segundo Pentecostes

Como o povo remanescente deve se preparar para receber o Espírito Santo nos últimos dias


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"As profecias que se cumpriram no derramamento da chuva temporã no início do evangelho, devem novamente cumprir-se na chuva serôdia, no final do mesmo” Foto: Shutterstock

O objetivo deste artigo é comentar alguns aspectos relacionados ao derramamento do Espírito Santo descrito por Lucas no livro de Atos. É propósito apresentar aquele evento como cumprimento direto da profecia de Joel 2, e ressaltar que esta garante, no futuro, outra grande concessão do Espírito Santo, para a qual devemos nos preparar.

Lucas registrou acontecimentos-chave da Igreja ocorridos a partir do ano 31 d.C., concluindo seu livro, possivelmente, em 63 d.C., antes do martírio de Paulo, pois não o menciona.[1] O capítulo 2 é considerado o mais importante, porque “o sermão introduz os principais temas de Lucas desenvolvidos ao longo do livro, por exemplo, o derramamento do Espírito de Deus (At 2:17, 18; 10:45), a universalidade do evangelho (At 2:17, 21, 39; 13:47-48), autenticando sinais e maravilhas (At 2:19, 43; 4:30; 5:12; 6:8; 8:13), e a salvação em nome do Senhor (At 2:21, 39; 4:12)”.[2]

Esse capítulo também revela, pelo menos, quatro experiências na vida da igreja:

1) A igreja esperando pelo Espírito Santo (At 2:1)

2) A igreja adorando o Senhor (At 2:2-13)

3) A igreja testemunhando aos perdidos (At 2:14-41)

4) A igreja caminhando no Espírito (At 2:42-47).[3]

Lucas iniciou Atos “exatamente onde parou no seu evangelho”.[4] Segundo a ordem do Senhor, os crentes deveriam ficar em Jerusalém e esperar pelo Espírito Santo, a fim de serem revestidos de poder para uma missão global (Lc 24:46-49; At 1:2-8).

Além das pessoas, os programas também deveriam esperar. É notável que “a implementação do programa de Atos 1:8 espera pelo Pentecostes”[5], porque só o poder prometido capacitaria a igreja nascente a testemunhar, “sair do exclusivismo judeu”, e ser transformada de “uma facção judaica em uma religião internacional”.[6] Logo, a poderosa concessão do Espírito Santo não apenas marcou o cumprimento da promessa divina[7], mas se tornou o “início da missão mundial”.[8]

Conforme as Escrituras: "Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar” (At 2:1). [9]

A palavra Pentecostes não é tradução, mas transliteração da palavra grega πεντηκοστῆς, cujo significado é cinquenta.[10] O capítulo 23 de Levíticos menciona sete festas e santas convocações ordenadas por Deus a Israel. Três no primeiro mês nesta ordem: Páscoa (14º dia), Pães Asmos (15º dia), e Primeiros Frutos (16º dia). E três no sétimo mês nesta sequência: Trombetas (1º dia), Expiação (10º dia), e Tabernáculos (15º dia). A semelhança de um quiasmo: “A do pentecostes (Festa das Semanas) vinha entre esses dois grupos de festas, cinquenta dias a contar do “dia seguinte do sábado”, o que quer dizer, o dia dezesseis de abib, o primeiro mês. Isto traria o pentecostes à última parte do terceiro mês do ano judaico, ou nosso maio ou junho (vs. 15, 16)”.[11]

Mas, a qual grupo Lucas se refere ao dizer “estavam todos reunidos no mesmo lugar”? O contexto indica toda a assembleia de 120 pessoas (At 1:15). Eles estavam em “uma casa” (vs. 13)[12], “num aposento superior” [13], e o seu número “era cerca de cento e vinte”.[14] Froom recorda que “houve dez dias de espera entre a ascensão e o Pentecostes”.[15] Para este autor, o “estar no mesmo lugar” representava uma “fase transitória”, mas o “unânimes” (At 1:14) é a “eterna condição”. E eles “perseveraram unânimes em oração”.[16]De repente, veio do Céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados. E apareceram distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles" (At 2:2, 3). Talvez alguns aspectos nunca mais sejam repetidos, contudo “o fato essencial do Pentecostes não é o som e o fogo, nem o falar com outras línguas, mas a comunicação do Espírito Santo”.[17]

Eventos acidentais e essenciais

Nesse mesmo sentido, Wiersbe recomenda separar os eventos “acidentais dos essenciais”.[18] Os essenciais seriam: “veio, batizou, encheu, falou, deu poder, convenceu”.[19] Ainda que sejam corretos, estes argumentos também podem sutilmente ser usados no intuito de ‘legitimar’ o pentecostalismo da atualidade.[20]

“Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem. Ora, estavam habitando em Jerusalém judeus, homens piedosos, vindos de todas as nações debaixo do céu. Quando, pois, se fez ouvir aquela voz, afluiu a multidão, que se possuiu de perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua. Estavam, pois, atônitos e se admiravam, dizendo: Vede! Não são, porventura, galileus todos esses que aí estão falando? E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna? Somos partos, medos, elamitas e os naturais da Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Ásia, da Frígia, da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia, nas imediações de Cirene, e romanos que aqui residem, tanto judeus como prosélitos, cretenses e arábios. Como os ouvimos falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus?”(At 2:4-11).

A obviedade de que aquelas línguas eram “de todas as nações debaixo do céu”, é confirmada pelos próprios estrangeiros: "ouvimos, cada um de nós em sua própria língua (v. 8)”.[21] Para Barclay, “nunca houve uma multidão mais internacional em Jerusalém do que por ocasião do Pentecostes”.[22] De fato, “o mundo todo estava ali representado”[23], pois, “quando reunidos, eram de todas as línguas conhecidas”.[24] Recorda Veloso que “muitos desses judeus dispersos por todo o mundo haviam nascido nos países em que viviam e falavam somente o idioma local”.[25]

Por outro lado, Henry afirma que, “devido ao cumprimento da profecia das 70 semanas de Daniel, em sua expectativa de que logo se manifestaria o Reino de Deus, pessoas piedosas foram a Jerusalém”[26], e permaneceram “temporariamente lá, para que tivessem parte antecipada no Reino do Messias e as bênçãos desse reino”.[27] O calendário das festas judaicas em Levítico 23 tem sido reconhecido como “um esboço da obra de Jesus Cristo”.[28]

Segundo Gulley, aquele festival judaico seguia “o desdobramento do plano da salvação”[29] em que “a Páscoa representa o Calvário”, e “o Pentecostes é quando o Seu sacrifício [de Cristo] foi aceito no céu”.[30] Tomando em conta que as festas anuais judaicas do Antigo Testamento eram tipológicas, a Festa das Semanas não envolvia “simplesmente a celebração da colheita de trigo”[31], pois, “o Pentecostes simboliza o derramamento do Espírito Santo”.[32] Rodor, no entanto, adverte que “tal cumprimento não deve ser visto apenas em termos de número de batizados (At 2:41), mas na própria amplitude geográfica das etnias representadas em Jerusalém, “vindos de todas as nações de debaixo do céu” (At 2:5)”.[33]

Em contraste com os estrangeiros maravilhados, judeus locais acusaram os crentes de bebedice (At 2:12, 13). Para Henry, “Pedro se colocou em pé com os onze para mostrar que não estavam bêbados”.[34] Segundo este autor, Pedro “não se dirigiu a pessoas de outras nações em uma língua estranha, mas aos judeus em língua vernácula, exatamente aos escarnecedores”.[35] E os outros discípulos, “continuaram falando com as pessoas que os entendiam (desta forma, havendo ajuntamento em torno deles) nas línguas de seus respectivos países acerca das grandezas de Deus (v. 11)”.[36] Seu argumento é coerente com o milagre e a necessidade.

Imaginemos a cena. Enquanto Pedro fala em aramaico para alcançar judeus nacionais, os demais apóstolos traduzem seu sermão nos diversos idiomas dos grupos de estrangeiros presentes. “Estes homens não estão embriagados como vindes pensando, sendo esta a terceira hora do dia. Mas o que ocorre é o que foi dito por intermédio do profeta Joel: “E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões, e sonharão vossos velhos; até sobre os meus servos e sobre as minhas servas derramarei do meu Espírito naqueles dias, e profetizarão. Mostrarei prodígios em cima no céu e sinais embaixo na terra: sangue, fogo e vapor de fumaça. O sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue, antes que venha o grande e glorioso Dia do Senhor. E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (At 2:15-21).

Pedro interpretou que “os acontecimentos que acabaram de ser testemunhados pela multidão” como “o cumprimento da profecia de Joel 2:28-32”.[37] Porém, Joel fala de dois Pentecostes. O primeiro aconteceu nos dias dos apóstolos, e o segundo ocorrerá “antes que venha o grande e glorioso Dia do Senhor”. É necessário ler Joel 2:28-32 à luz de Joel 2:23, o seu contexto imediato e tipológico. “Em sua imediata aplicação, este versículo se refere à restauração das chuvas adequadas. A chuva temporã caía no outono, e promovia a germinação dos grãos, enquanto a chuva serôdia caía na primavera e ajudava a colheita a amadurecer”.[38] “Na sua aplicação figurativa à igreja, a chuva temporã representa o início da efusão do Espírito Santo no dia de Pentecostes, enquanto a chuva serôdia representa o derramamento final do Espírito Santo, que produz a maturação da colheita”.[39]

Segundo Ellen White: “O derramamento do Espírito nos dias dos apóstolos foi o começo da primeira chuva, ou temporã”.[40] “As profecias que se cumpriram no derramamento da chuva temporã no início do evangelho, devem novamente cumprir-se na chuva serôdia, no final do mesmo”.[41] Apocalipse 18:1 prediz “uma obra de extensão mundial e de extraordinário poder”.[42] Como podemos nos preparar para a chuva serôdia? “Nesta mesma hora Seu Espírito e Sua graça se acham à disposição de todos quantos deles necessitam e Lhe pegarem na palavra.”[43]

“É nossa parte do trabalho colocarmo-nos a nós mesmos em associação com o divino canal. Deus é responsável por Sua parte do trabalho”.[44] Se isso fizermos experimentaremos “verdadeiro arrependimento”[45]. Poderemos “aguardar, vigiar e orar com um só coração”[46], e obter “vitória sobre toda tentação, orgulho, egoísmo, amor ao mundo, e sobre toda má palavra e ação”.[47] Somente pelo Espírito toda indiferença poderá ser “posta de lado, e a unidade e terno amor de uns para com os outros permear o todo”.[48]

Neste processo de preparo, também haverá um ajuste do foco missionário local para mundial, pois certamente “Deus quer falar com cada pessoa em seu próprio idioma e dar a mensagem salvadora da salvação em Jesus Cristo. O foco de Atos está na evangelização mundial "até o extremo da Terra” (Atos 1:8)”.[49]

 

 

Referências

[1]Mario Veloso, Atos: comentário bíblico homilético, 1ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010), 8. A seguir: Veloso.

[2]J. L. Mays, P. Harper & Row Harper, & Society of Biblical Literature,  Harper's Bible commentary (San Francisco: Harper & Row, 1996, c1988), Ac 2:14.

[3]Warren W. Wiersbe, Novo Testamento I, 1ª ed. (Santo André, SP: Geográfica, 2006), 5: 526-531.

[4]New King James Version: Remnant Study Bible with Ellen G. White Comments (Coldwater, MI: Remnant Publications, 2009), 1289.

[5]J. D. G. Dunn, “Pentecoste, Festa de”, em Colin Brown, ed., Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento, 1ª ed. (São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1989), 523. A seguir: Dunn.

[6]Francis D. Nichol, ed., Comentário bíblico adventista do sétimo dia, 1ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), 100. A seguir: Nichol, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia.

[7]Dunn, 523.

[8]Ibid.

[9]Salvo alguma citação, a versão bíblica usada neste estudo é a Almeida Revista e Atualizada no Brasil, 2ª ed. (Sociedade Bíblica do Brasil, 1993).

[10]S. J. Kistemaker & W. Hendriksen, New Testament commentary: Exposition of the Acts of the Apostles (Grand Rapids: Baker Book House, 1953-2001), 17: 74. A seguir: Kistemaker, & Hendriksen.

[11]Embora cite a obra de Andreasen, o autor deste artigo não crê, nem endossa sua teologia perfeccionista apresentada no último capítulo deste livro. M. L. Andreasen, O Ritual do santuário, 3ª ed. (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1983), 173.

[12]S. J. Kistemaker & W. Hendriksen, 17: 74.

[13]Ellen G. White, História da redenção, 11ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013), 241, 242. A seguir: White, História da redenção.

[14]Ibid.

[15]LeRoy Edwin Froom, A vinda do Consolador (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1988), 107.

[16]Ibid., 108.

[17]A. Maclaren, Expositions of Holy Scripture (Heritage Educational Systems, 2008), Ac 2:1.

[18]W. W. Wiersbe, The Bible exposition commentary: An exposition of the New Testament (Wheaton, Ill: Victor Books, 1996, c1989), Atos 2:2. A seguir: Wiersbe.

[19]Ibid.

[20]Segundo Bruner, “...os pentecostais acreditam que o movimento deles realmente é a última chuva, i.é, o prelúdio do fim”. Mas, “no estudo do pentecostalismo se descobre logo que a pneumatologia pentecostal enfatiza não tanto a doutrina do Espírito Santo, mas a experiência do batismo do Espírito Santo”, daí o pentecostalismo atual ser classificado como “pneumatobatistocêntrico”. Frederick Dale Bruner, Teologia do Espírito Santo, 2ª ed. (São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1986), 46, 47. Ver também: Norman Gulley, Final Events on Planet Earth (Southern Publishing Association, 1977).

[21]W. H. Willimon, Acts: Interpretation, a Bible commentary for teaching and preaching (Atlanta: John Knox Press, 1988), 30.

[22]William Barclay, The Acts of the Apostles (Filadelfia: The Westminster Press, 1976), 21.

[23]Veloso, 32.

[24]White, História da redenção, 243.

[25]Veloso, 32.

[26]Matthew Henry, Comentário Bíblico Novo Testamento Atos a Apocalipse, 1ª ed. (Rio de Janeiro: CPAD, 2005), 2: 15. A seguir Matthew Henry.

[27]Ibid.

[28]Wiersbe, Atos 2:1.

[29]Norman R. Gulley, Sistematic Theology: The Church and the Last Things (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 2016), IV: 28.

[30]Ibid. Ver: Ellen G. White, O Desejado de todas as nações, 22ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013), 833, 834.

[31]I. Howard Marshall, ”Atos” em G.K. Beale e D. A. Carson, org., Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 2014), 665. A seguir: Marshall..

[32]Gulley e o Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia não discordam. Um enfatiza o que ocorreu no Céu, e o outro, o que decorreu na Terra. Nichol, Comentário bíblico adventista do sétimo dia, 6: 872.

[33]Amin Rodor, “O Espírito Santo na Escatologia de Ellen G. White”, Revista Parousia, 1º Semestre 2006, 109.

[34]Matthew Henry, 2: 16.

[35]Ibid.

[36]Ibid.

[37]Marshall, 667.

[38]Francis Nichol, 4: 1044.

[39]Ibid.

[40]Ellen G. White, Atos dos apóstolos, 9ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013), 55. A seguir White, Atos dos apóstolos.

[41]Ellen G. White, Maranata, O Senhor vem, MM 1977 (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira), 254.

[42]_____, O grande conflito, 43ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013), 611.

[43]_____, Recebereis poder, MM1999, (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira), 287.

[44]_____, História da redenção, 247.

[45]White, Atos dos apóstolos, 36.

[46]_____, História da redenção, 246.

[47]_____, Primeiros escritos, 10ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013), 71.

[48]­­­­_____, História da redenção, 246, 247.

[49]Wiersbe, 109.

Wilson Borba

Wilson Borba

Sola Scriptura

As doutrinas bíblicas explicadas de uma forma simples e prática para o viver cristão.

Bacharel em Teologia pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), campus São Paulo. Possui mestrado e doutorado na mesma área pelo Unasp, campus Engenheiro Coelho. Possui um mestrado em Sagrada Escritura e outro doutorado em Teologia pela Universidade Peruana Unión (UPeU). Ao longo de seu ministério foi pastor distrital, diretor de departamentos, professor e diretor de seminários de Teologia da Igreja Adventista na América do Sul.