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Coluna | Hildemar Santos

Cirurgia bariátrica, o último recurso

Entenda mais sobre a cirurgia bariátrica, seus prós e contras e a questão relacionada ao estilo de vida saudável e mudança de hábitos


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Foto: Shutterstock

Silvia* já havia tentado todos os tratamentos possíveis para emagrecer. Era uma senhora de 65 anos, sem nenhuma complicação maior do que o excesso de peso. Seu peso começou a aumentar depois da menopausa e agora seu índice de massa corporal era de 35, considerado nos níveis de obesidade. Seu médico indicou a cirurgia bariátrica, no caso o cinto estomacal. Porém, antes disso, ela deveria assistir a 12 sessões de nutrição e saúde, como pré-requisito para a cirurgia. Depois das sessões ela conseguiu perder 10 quilos e seu índice de massa corporal diminuiu para 28. Com este sucesso, Silvia desistiu da cirurgia bariátrica. Com seu novo regime de vida e alimentação ela tem conseguido manter seu peso por mais de cinco anos.

A cirurgia bariátrica tem sido a mais moderna solução para o problema do peso, principalmente para pacientes com obesidade mórbida, com um índice de massa corporal de 40 ou mais. A palavra bariátrica vem do grego barros que significa peso. O Brasil é o segundo país do mundo em quantidade de cirurgias bariátricas realizadas, 100.000 por ano e só é superado pelos Estados Unidos (300,000 por ano). O índice de massa corporal (IMC) é a medida do peso em relação à altura. A fórmula usada é a altura em centímetros dividida pelo peso em quilogramas ao quadrado (kg/m2) e o valor normal tanto para a mulher como para o homem está entre 18.5 até 24.9.

Para que o leitor tenha uma ideia melhor, vejamos alguns exemplos. Um indivíduo de 1,70 cm com um peso de 100 quilos terá um IMC de 34.6, que indica obesidade. O peso ideal para esta pessoa estaria na faixa dos 70 quilos (IMC = 24.2). Já no caso de a pessoa ter 200 quilos, o IMC seria de 40. Há várias maneiras de classificar a obesidade, mas em geral os números são: 25-29.9 = Sobrepeso, 30-39.9 = Obesidade tipo 1, 40 ou mais = Obesidade tipo 2. Em geral a indicação para a cirurgia bariátrica é para pessoas entre os valores acima de 35. Visite este site da internet para calcular seu índice automaticamente.

Experiência de Jones 

Jones teve uma experiência oposta à da Silvia. Ele tinha um IMC de 42, mas não estava interessado na cirurgia bariátrica já que tinha receio dos efeitos da mesma. Mesmo que tivesse já feito muitos tratamentos para emagrecer, continuou tentando e sua última escolha foi de uma dieta vegana, porém não conseguiu seguir a mesma e acabou desistindo das dietas totalmente. Mas sua saúde começou a deteriorar, dor nas costas, pressão alta, colesterol aumentado, ele pensava que era só uma questão de tempo antes que tivesse um ataque cardíaco. Assim, foi consultar seu médico que lhe encaminhou para um cirurgião para avaliar a possibilidade de cirurgia bariátrica. Depois da consulta, a cirurgia foi indicada. Jones concordou e submeteu-se a cirurgia.

Depois de três meses, já havia perdido mais de 20 quilos e no total perdeu 60 no período de um ano. Teve que se adaptar ao novo estômago, pois agora não podia comer muito, também tinha que tomar várias pílulas de vitaminas e minerais e mudar seu estilo de comer, mas ainda assim estava contente pois todos seus exames estavam agora com níveis normais e a dor nas costas desapareceu. Resolvi relatar dois casos de obesidade e seus resultados só para ilustrar o fato de que o assunto é bem individual e cada caso deve ser avaliado com o médico.

Mais especificamente, a indicação para a cirurgia bariátrica é a seguinte:  IMC maior de 40, ou entre 35 e 40, mas acompanhado de complicações de saúde tais como diabetes, pressão alta, colesterol aumentado, problemas de coluna e outras. Isto se refere mais a cirurgia irreversível (Bypass gástrico, que vamos descrever mais adiante). A cirurgia reversível (banda gástrica) seria de mais de 35 para todos e de 30 a 35 para aqueles com as complicações. Estes valores podem mudar de país para país ou conforme o hospital, experiência da equipe cirúrgica ou mesmo o seguro de saúde que a pessoa tenha.

Há vários tipos de cirurgia bariátrica, vamos descrever aqui dois métodos que tem sido os mais comuns. Um deles é reversível, e consiste na colocação de uma banda ou cinto que comprime o estomago e cria uma pequena bolsa (pouch), no Brasil se conhece o termo como banda gástrica. O outro tipo é um pouco mais complicado pois consiste em uma cirurgia mais detalhada em que o estomago é restruturado e conectado com uma parte do intestino delgado em sua parte final (jejuno), este tipo é irreversível (Cirurgia de Bypass Gástrico em Y de Roux).

Banda gástrica

A banda gástrica é um cinto colocado dentro do abdômen que circunda a parte superior do estômago formando uma pequena cavidade ou bolsa. Desta forma a pessoa come menos e há maior secreção de substâncias que são controladoras do apetite como é o caso do peptídeo YY (PYY). Esta é a menos invasiva de todas a cirurgias bariátricas e de menor risco (mortalidade de 0.05%). A implantação da banda é realizada através de laparoscopia e demanda menor tempo de hospitalização, recuperação rápida após cirurgia, menos cicatrizes e menos dor.

A perda de peso neste processo é de aproximadamente 47%. As complicações são: regurgitação, ulceras, gastrite, infecção, náusea e vômitos. Com esta é uma cirurgia reversível, sua indicação tem mais senso.

Bypass gástrico em Y Roux

 Esta opção, em geral para os que têm IMC maior que 40, já é uma cirurgia mais complicada. O estômago é grampeado, também, formando uma pequena bolsa em sua parte superior. O mecanismo para a perda de peso é semelhante ao da banda gástrica, menos espaço no estômago e saciarão do apetite pela ação dos hormônios gástricos. Porém, no caso do by-pass, a cirurgia é irreversível. Também os riscos são maiores, mortalidade de 0.5%, e mais complicações tais como a “síndrome de dumping” (alimentos são eliminados imediatamente após serem ingeridos), náusea, vômito, pneumonia, infecção das incisões cirúrgicas, infecção urinaria, hérnias, obstrução intestinal, hemorragias, embolia pulmonar e mal absorção de nutrientes.

Um dos problemas do by-pass gástrico é que, depois da cirurgia, o paciente deve tomar vitaminas, em geral um complexo multivitamínico e injeções de vitamina B12. Pacientes que não seguem a prescrição das vitaminas tem um alto risco de anemia e mal nutrição. Alguns pacientes requerem uma repetição da cirurgia quando começam a aumentar o volume de comidas em uma refeição, isto causa uma dilatação da bolsa estomacal e risco de ruptura. Estes pacientes precisam comer poucas quantidades de alimentos com uma maior frequência, em geral aconselhados por um nutricionista.

Olhando o lado positivo, a perda de peso com este procedimento é de 60 a 80 %. Muitos pacientes podem reverter totalmente a diabetes, pressão alta e o excesso de colesterol. O risco de ataques cardíacos diminui consideravelmente e outras complicações do excesso de peso também melhoram como dor nos joelhos, dor nas costas, dor e inchaço nos pés, e sintomas gerais de osteoartrite. Pelo menos o fato desta cirurgia ter estes efeitos benéficos fez os especialistas considerarem o fato de que a diabetes e a pressão alta podem ser revertidas com a perda de peso. Assim, qualquer que seja o tratamento para perder peso, se a pessoa conseguir manter a perda, o resultado será semelhante ao da cirurgia bariátrica.

Existem outros tipos de cirurgia bariátrica menos comuns usados em diferentes países e hospitais. A gastrectomia de manga consiste em uma ressecção cirúrgica de parte do estomago deixando-o com um tamanho menor. O balão intragástrico é um procedimento reversível que consiste em colocar um balão de ar dentro do estomago diminuindo o seu tamanho. A banda gástrica costurada é outro método em que a banda é costurada no estomago para não haver deslocamento da mesma. Porem neste caso existe maior risco de infecção e ruptura da parede estomacal.

Um outro problema é que, quando a pessoa perde peso, muito rápido isto pode causar cálculos biliares. Outro problema são as dobras da pele e outras alterações causadas pelo emagrecimento que deveriam ser corrigidas pela cirurgia plástica.

Joana sofria de osteoartrite e tinha intensa dor nos joelhos e nas costas. Seu peso estava acima de 200 quilos e já havia feito vários tratamentos para emagrecer com sucesso relativo, mas a longo prazo o peso voltava a aumentar. Como seu Índice de Massa Corporal era maior do que 40 a cirurgia do by-pass gástrico foi indicada. Em poucos meses ela perdeu mais de trinta quilos e depois de um ano havia perdido quase cem quilos. Minha filha, que é enfermeira-padrão, atendeu-a no consultório. Joana agora estava extremamente magra, com fadiga geral, tonturas, falta de ar e mal-estar geral.

Todos os exames foram realizados e havia uma deficiência vitamínica geral e anemia severa. A paciente estava também com alterações psicológicas que poderiam ser classificadas como reações psicóticas, comumente observadas quando há falta de vitamina B12. Aqui é também importante salientar que muitos dos pacientes bariátricos necessitam de um acompanhamento psicológico já que muitos deles, além do efeito da falta de vitaminas, têm depressão nervosa.

Depois de ver os resultados é que minha filha ficou sabendo da cirurgia bariátrica que ela havia feito dois ou três anos antes. O grande erro de Joana foi que não havia seguido nenhum conselho medico pós-cirúrgico, não tomou as vitaminas e não seguiu nenhuma orientação nutricional. Conseguiu perder o peso, as dores reumáticas melhoraram, mas quase perdeu a vida. Felizmente, Joana ainda teve uma chance de mudar e assim seu quadro clinico melhorou.

Estilo de vida

Este é um dos desafios da cirurgia bariátrica. A pessoa precisa mudar seu estilo de vida depois da cirurgia e continuar com hábitos de vida saudáveis e ter uma alimentação bem controlada. O que chama a atenção ao fato de que provavelmente uma mudança no estilo de vida antes da cirurgia poderia ter o mesmo efeito. De qualquer forma, penso que cada caso é um caso e este assunto deveria ser avaliado com o paciente, o médico e a família. E os riscos e benefícios devem ser considerados. Minha opinião, porém, ainda é a banda gástrica que é reversível. Se a pessoa está disposta a mudar seu estilo de vida, o peso, cedo ou tarde, vai baixar. O necessário é a motivação e o apoio da família, amigos e conter a influência do ambiente. A única exceção seriam casos extremos em que a vida do paciente está em risco. Neste caso, mesmo a cirurgia de by-pass seria indicada.

Por exemplo, José, amigo de meus filhos durante a escola secundaria, era um menino gordo, mas não obeso durante sua infância. Quando chegou à idade adulta, a obesidade aumentou e o rapaz não conseguiu mais controlar seu peso. Acabou tendo um problema hepático por causa dos depósitos de gordura no fígado e seu índice de massa corporal estava quase alcançando 45. Um dia, fui contatado para ver se poderia ajudar o José em nossa clínica. Em geral, não atendemos casos de obesidade mórbida, porém como havia uma necessidade urgente, resolvi aceitar o desafio. Mas José nunca apareceu. Depois de algumas semanas, contatei a família já que tínhamos feito planos para atendê-lo. Fiquei sabendo então que o rapaz havia tido um coma hepático e havia falecido. Sua obesidade tinha chegado a um nível tão alto que ele mal andava e nunca saía de casa, morreu aos 35 anos de idade. Infelizmente, não pude ajudar muito. Meu comentário a respeito do caso é que aqui se indicaria a cirurgia bariátrica em qualquer de suas formas para salvar uma vida. Muito tarde para José, porém fica a opção para outros que por acaso estejam em uma situação semelhante.

Não me agrada a ideia de um procedimento irreversível, assim minha preferência é pela banda gástrica. Com certeza, estamos falando de pessoas com um índice de massa corporal acima dos 35 e com problemas físicos decorrentes. E antes de se submeter à cirurgia, as pessoas deveriam pensar bem no fato de que depois da cirurgia também é necessário seguir um estilo de vida saudável que pode ser tão ou mais complicado que um regime para emagrecer e manter o peso perdido.

O grande desafio é ensinar a população que o problema da obesidade é um problema adquirido. Esta é uma doença relacionada com hábitos de saúde os quais se praticados poderiam ter evitado a mesma. Neste caso a solução mais razoável é voltar a praticar estes mesmos hábitos e, como o peso não surgiu repentinamente, ele também vai demorar mais tempo para voltar ao seu normal.

E, finalmente, estas cirurgias, que são um tanto invasivas, deveriam ser indicadas principalmente em casos extremos quando o risco de doença, desabilidade e mesmo morte é muito alto.

 

Verso para meditação:

 “Daniel, contudo, decidiu não se tornar impuro com a comida e com o vinho do rei, e pediu ao chefe dos oficiais permissão para se abster deles. ” Daniel 1:8 Naquela época as únicas pessoas que ficam com excesso de peso eram os reis e membros da corte. Daniel provavelmente sabia disto e resolveu pedir alimentação especial. Não deveríamos nós fazer o mesmo?

 

Referências:

https://en.wikipedia.org/wiki/Bariatric_surgery

https://www.news-medical.net/health/Bariatric-Surgery-Research.aspx

www.sbcbm.com.br (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica)

https://www.merriam-webster.com/dictionary/bariatric

https://health.usnews.com/health-news/health-wellness/articles/2013/06/18/weight-loss-surgery-a-cure-for-the-morbidly-obese

 

*Nomes mencionados neste artigo são fictícios assim as identidades das personagens das histórias foram protegidas.

 

Hildemar Santos

Hildemar Santos

Saúde e Espiritualidade

Como prevenir doenças e ter uma vida saudável.

Médico e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Loma Linda, nos Estados Unidos