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Coluna | Fábio Bergamo

Mais importante é ser do que ter

O que implica uma vida de consumismo em que ter parece ser uma paixão descontrolada? Leia mais nesse Dia Internacional do Consumidor esse artigo.


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Passei as férias do início do ano com a família no sul da Bahia. Durante uma semana, estivemos nas praias da paradisíaca Porto Seguro. É o destino turístico de milhares de pessoas nos meses de verão brasileiros. Logo, é fácil de perceber tendências de todos os tipos.

Obviamente, neste verão, a maior delas era o bastão para tirar autorretratos, o famoso pau-de-selfie. Centenas podiam ser vistos nas mãos de crianças, jovens e adultos. Naquele mar de estacas de metal içadas em diagonal, me chamou atenção um menino, que aparentava ter menos de 10 anos, que falava a uma mulher mais velha, possivelmente sua mãe:

 

- Poxa, bem que a gente podia ter um ‘negócio’ desses também, né?

- Por que? – retrucou a mulher

- Ué, porque todo mundo tem...

 

A grande revolução do consumo foi a passagem de uma orientação voltada ao produto, por parte das empresas, para aquela voltada ao consumidor e o relacionamento com ele. No primeiro cenário, os produtos eram o foco principal das empresas, o que fazia o vendedor ter papel de destaque no meio profissional. Ele era responsável por, num esforço muitas vezes sobre-humano, girar estoques, desencalhar produtos, fazer os clientes comprarem, mesmo sem precisar daquilo. Até os dias de hoje, vemos empresas que trabalham com o setor de vendas sendo a coisa mais importante da empresa.

No segundo cenário, as coisas se alteraram. Gestores começaram a perceber que empurrar produtos nas pessoas não era a melhor das ações a serem feitas. Este comportamento criava uma arena competitiva muito forte, gastos gritantes em mídia de massa cada vez mais cara, margens de lucros cada vez menores, sacrifício contínuo da qualidade, fuga de bons profissionais e outras disfunções. Notou-se que era muito mais interessante fazer com que o consumidor fosse um amigo das marcas e produtos, e não apenas um comprador delas. Assim, seria muito mais fácil fazer com que as vendas acontecessem, pois teríamos agora verdadeiros relacionamentos com marcas, criando admiradores, amantes e até advogados de marcas e produtos.

Paixão

Então, caímos de cabeça nesse mundo. Tal qual na vida social, somos “apaixonados” por determinados produtos, lojas e marcas. E transmitimos estas paixões adiante, defendendo e compartilhando todas nossas sensações, experiências e desejos. Criou-se, então, uma rede do consumo. E uma rede cada vez mais acelerada, empolgante e, ao mesmo tempo, preocupante e deprimente. Pessoas fazendo de tudo para ter aquele produto, daquelas marcas pelas quais são apaixonadas, não importando os verdadeiros sacrifícios que tinham que ser feitos. É a onda do “viver para consumir”, da compulsão por compras. O marketing, criado com a intenção de promover a satisfação das necessidades das pessoas, agora se torna um buscador incessante de vínculos emocionais que promovem a paixão por determinados produtos.

Qual nosso papel, ante a este cenário? Uma mente pode ser, ao mesmo tempo, consumista e cristã? A psicóloga Ana Beatriz Barbosa Silva, escrevendo sobre o tema no ótimo livro “Mentes Consumistas: do consumismo à compulsão por compras”, indica que as pessoas no presente século estão mais preocupadas com o TER, do que com o SER. E mais: os resultados deste cenário são a falta de altruísmo e o aumento do egoísmo e da inveja, diz a autora.

A fala de uma pesquisadora da sociedade e das pessoas, que nada tem a ver com religião, parece ecoar temas a nós próximos. Quantas vezes lemos sobre a devastação que o consumismo faz com pessoas e famílias? Quantas vezes lemos ou ouvimos as palavras de Cristo em Lucas 12:31-34? Parecem temas esquecidos, ao notar o quanto é necessário TER dentro, inclusive, de nossas fileiras. Quão importante parece ser o smartphone da moda! Ou o carro mais novo! Ou aquela marca de roupas que é super empolgante! Estaríamos também preocupados com o “porque todo mundo tem”?

Quanta diferença do que nos mostrou nosso mestre, quando aqui esteve! Inúmeras situações, principalmente as descritas no livro de Lucas (o qual estudamos na Lição da Escola Sabatina do trimestre 2015.2), mostram Cristo indicando a verdadeira religião para os judeus, como o que é descrito em parábolas como o Bom Samaritano, o Filho Pródigo, Lavradores Maus, do Homem Rico, ou nos seus inúmeros encontros com pessoas de posse e com fariseus. Em nenhum momento, vemos o nosso Senhor indicando o acúmulo de posses como sendo benéfico para a comunhão com Deus e para o relacionamento com o semelhante. Pelo contrário! “Louco (...). Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus”, disse Jesus (Lucas 12:20-21). Não é de se pensar?

Sim, é tempo de refletir. A resposta do menino da história que contei no início pode ser, infelizmente, facilmente encontrada entre nós. Não podemos correr o risco de nos enveredarmos por um caminho que nos levará a uma casa cheia e uma religião vazia. Que a importância dada ao TER seja diminuída. Mais importante é SER do que TER!

PARA LER, VER E OUVIR MAIS

Livro “Mentes Consumistas” – De Ana Beatriz Barbosa Silva - http://www.livrariacultura.com.br/p/mentes-consumistas-42273370

Vídeo “O alto preço do materialismo” – Feito no formato “drawing video” pelo The Center of a New American Dream, é um excelente resumo da sociedade baseada em consumo e seus problemas - https://www.youtube.com/watch?v=yXaqZ6GBnhw

Fábio Bergamo

Fábio Bergamo

Marcas & Marcas

Marketing, Comunicação, Cultura e Religião

Doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), lecionou em diversas instituições. Atualmente é docente na área de Marketing, Estratégia e Tecnologia no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). Foi considerado um dos 100 professores de marketing mais influentes do Twitter pela SMM Magazine. @bergamomkt