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Coluna | Diogo Cavalcanti

O povo da revelação

Assim como Deus iluminou Seu povo com a profecia em meio ao exílio, Ele se revela hoje num movimento profético


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Na coluna anterior vimos como Deus contrariou as teologias antigas, de que os deuses estavam circunscritos a seus territórios e de que a derrota de uma nação representava a derrota de seu deus. O livro de Daniel deixa claro que, no caso de Israel, isso foi completamente diferente: Deus não estava vinculado a uma geografia e não havia sido derrotado por Marduque, Bel ou qualquer divindade babilônica. O exílio era um castigo da aliança pelo qual o povo deveria passar para reencontrar sua identidade e resgatar sua fé (Deuteronômio 28:64; 30:1-8). A “disciplina” deveria durar 70 anos, ao fim do quais Deus agiria poderosamente para recolocá-los na terra da promessa (Jeremias 25:11, 12).

Em meio à crise do exílio, Daniel apresenta uma resposta nos níveis individual e nacional. Demonstra que, apesar da apostasia e rebelião contumaz que finalmente resultou na galut (“exílio”), Deus ainda tinha filhos fiéis que preservariam sua fé, mesmo até às últimas consequências, se lhes fosse exigido (capítulos 1, 3, 6). Em nível nacional, Deus jamais deixaria de manifestar Seu amor e cuidado pelo povo da aliança que, dali em diante, teria que se acostumar a existir sob potências estrangeiras pagãs (capítulos  2, 7-12).

A nação escolhida, por meio da qual o Messias ainda se manifestaria, estava sob o domínio de potências estrangeiras que mais lhe pareciam feras rapinantes (Daniel 7:1-8). Havia sido “devorada” (Lamentações 2:2, 5; Jeremias 46:10, 14; Naum 2:13; Habacuque 1:8) por Babilônia e sua existência foi ameaçada vez após vez pelos impérios subsequentes. Contudo, apesar de todas as dificuldades, Deus prometeu que jamais abandonaria Seu povo, confirmando a promessa de que “a descendência de Israel” jamais deixaria de existir (Jeremias 31:34-36).

O amor e a preocupação com Seu povo estão no centro das visões dos quatro impérios. Esses impérios não foram importantes porque exerceram um domínio mundial, como muitos de nós dizemos. Sem minimizar a importância histórica dos quatro impérios da profecia, outros impérios foram tão ou mais vastos e poderosos, como as dinastias chinesas e o império britânico, que chegou a dominar sobre mais de um terço do globo terrestre. Da perspectiva profética, a importância dos quatro impérios de Daniel reside no fato de que eles dominariam sobre a Terra e o povo de Israel com importantes implicações para o plano da salvação.

As visões do livro de Daniel, assim como as mensagens dos antigos profetas, serviam para amparar os indivíduos em suas provas pessoais. Também serviam para fortalecer o povo, cuja existência estava ameaçada. Segundo Ellen White, “não fosse o encorajamento das predições proféticas dos mensageiros de Deus”, o “mais resoluto coração” teria sucumbido ao “desespero” (Profetas e Reis, 464).

Na galut (“exílio”), Deus gale (“revela”, Daniel 2:22). Ambos os conceitos são expressos pela mesma raiz aramaica e hebraica. Curiosamente, Hitgalut é o nome hebraico do livro do Apocalipse. Há, portanto, uma relação semântica e teológica entre exílio e revelação. Ao passo que a revelação profética conforta e anima os b’ne galuta (“filhos do exílio”, Daniel 2:25; 5:13; 6:14), também lhes oferece esperança no presente, apontando para o reino messiânico. Portanto, já não são “filhos do exílio”, mas “filhos da revelação”, um povo profético, no sentido de que têm uma visão profética e de que a profecia se cumpre em sua experiência.

Assim, por meio da revelação, Deus se tornou real para Seu povo, mesmo distante da Terra. Isso gerou, pela primeira vez, uma noção de religiosidade independente da Terra, o que avançaria futuramente para além do vínculo nacional. Essa ideia abriu espaço para uma adoração ao verdadeiro Deus “em espírito e em verdade” (João 4:23).

Em nossos dias, a visão profética se torna tão essencial quanto nos tempos de Daniel. Deus levanta um movimento para “profetizar” ao mundo nos momentos finais da história (Apocalipse 10:11) – ou seja, ele tem uma missão profética. Além disso, esse “povo” igualmente tem uma identidade profética: é o remanescente da profecia bíblica no tempo do fim – “os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus” (Apocalipse 12:17) ou a “fé de Jesus” (Apocalipse 14:12). Assim, os vínculos humanos e materiais perdem o valor diante da “bendita esperança” (Tito 2:13). Quando tudo parece perdido, lembramos que “nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (Filipenses 3:20). Cabe ao povo da revelação viver como cidadãos da pátria celestial e preparar outros para viverem nela.

Diogo Cavalcanti

Diogo Cavalcanti

Apocalipses

O universo das profecias bíblicas e suas respostas para as inquietações atuais

Formado em Teologia e em Comunicação Social, e pós-graduado em Letras, trabalha na Redação da Casa Publicadora Brasileira (CPB). É um dos editores de livros, entre eles, o Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia.