Notícias Adventistas

Coluna | Diogo Cavalcanti

Leis dominicais na Argentina

A controvérsia entre o sábado e o domingo estará no centro do embate final entre Cristo e Satanás


  • Compartilhar:

chifre-pequeno

No início de julho entrou em vigor na província argentina de Santa Fé a lei 13.441, que regula a abertura e fechamento de estabelecimentos comerciais aos domingos. A chamada lei de "descanso dominical" despertou polêmica na internet. Contudo, a precipitação e o exagero têm dificultado um entendimento mais claro dos fatos e de como a realidade atual está aos poucos convergindo para o clímax escatológico de Apocalipse 13. Também percebemos que manifestações apaixonadas e descontextualizadas na web mais prejudicam que ajudam na pregação do "evangelho eterno" (Apocalipse 14:6).

Em primeiro lugar, como vimos, a lei não é nacional, mas provincial. A lei não tem abrangência irrestrita, pois focaliza os grandes supermercados, enquanto permite a abertura de outros estabelecimentos. A iniciativa do projeto em tramitação desde 2014 não partiu de grupos religiosos, mas da Associação de Empregados de Comércio, ou seja, de um sindicato.

A lei também despertou forte oposição de empregados, que veem seu salário diminuir, além da perspectiva de demissões significativas (20% do número total de funcionários de grandes supermercados). Os empregadores afirmam que o domingo é o dia de maior movimento, e o fechamento nesse dia ocasiona um prejuízo financeiro que a venda nos outros dias não pode compensar.

Percebemos que o contexto dessa lei dominical está distante de um movimento religioso em torno do domingo. Tanto que não está gerando comoção entre os adventistas argentinos, pois não os têm afetado tanto individual quanto institucionalmente, segundo Walter Steger, da Associación Casa Editora Sudamericana. Apesar disso, a Igreja Adventista na região está atenta e até emitiu um comunicado oficial já em 2013.[1] Iniciativas em favor de leis dominicais têm sido tomadas nos últimos anos, sendo adotada na província de Pampa; a província de Chaco votou a lei em 2011, a qual foi vetada pelo governador. Em cidades interioranas também há leis similares. Em Buenos Aires existe um projeto de lei em andamento.[2]

Algumas perguntas sugerem uma reflexão. Por que o sindicato argentino propõe o descanso no domingo? Por que não permitir aos funcionários ter o direito de escolher um dia na semana para descansar? Se a “lei dominical” não se trata de um fato com implicações religiosas, o que ela tem a nos dizer? São questões como essas às quais precisamos responder antes de achar tudo normal ou de fazer pregações e posts sensacionalistas. Analisemos, então, três aspectos: cultura dominical, movimentos dominicais e clímax escatológico.

Cultura dominical

O descanso dominical já está enraizado na cultura latina e cristã, de modo geral. Mesmo nas sociedades em que a religião não é tão relevante, o “descanso” no domingo faz parte da memória cultural. De dia dedicado ao sagrado, o domingo passou a servir ao entretenimento, formando com o sábado o pacote secular do “fim de semana”. Apesar de alguns setores funcionarem nesse dia, praticamente em todos os países “cristãos”, muitas portas se fecham, enquanto outras baixam mais cedo (em geral, os shoppings e as lojas norte-americanas fecham às 19h no domingo).

Na Argentina, assim como no Brasil, o costume do descanso dominical sempre existiu. Contrariando essa tradição, mas se estabelecendo como reflexo do aprofundamento do consumismo, as grandes redes de supermercados e os shoppings se transformaram em templos do consumo, tendo no domingo um dia reservado para esse propósito.

Movimentos dominicais

As leis dominicais, em muitos lugares, parecem ser uma reação ao estabelecimento do consumo como um valor primordial, em detrimento da importância do ser humano, ou mesmo em relação à tradição e à fé. Alguns grupos, como no caso do sindicato argentino mencionado, advogam a causa do domingo em defesa do “trabalho digno”, alegando ser degradante trabalhar semanas a fio, sem descanso, como de fato é. Dessa forma, defensores de direitos trabalhistas apelam aos tribunais para que se aprovem leis que garantam o descanso dominical ao trabalhador.

Por outro lado, há grupos recorrendo a uma argumentação mais religiosa para fazer frente ao domingo secularizado. Argumenta-se em torno das tradições e dos valores cristãos em contraposição aos valores consumistas e seus efeitos destrutivos na sociedade, ou mesmo ao meio ambiente. As encíclicas papais Dies Domini e Laudato si’ são monumentos a essa causa.

O que une ambas as vertentes é a atuação junto aos setores político e judiciário para impor o descanso dominical. Seja como direito trabalhista ou como exercício da fé, a dinâmica percebida na atualidade parece refletir elementos do panorama apresentado simbolicamente em Apocalipse 13, no qual a “marca da besta” será posta “sobre a mão direita ou sobre a fronte” (v. 16). A marca da besta é entendida pelos adventistas como sendo o domingo, em contraposição ao “sinal de Deus”, o sábado (Ezequiel 20:12, 20; cf. Gênesis 2:1-3; Êxodo 20:8-11; Apocalipse 12:17; 14:12). O ser posta sobre a mão ou sobre a fronte representa uma “conveniência” ou uma sujeição à imposição, refletida simbolicamente pela mão; ou voluntária, representada pela fronte.[3]

É crescente o número de grupos e setores da sociedade comprometidos com a causa do domingo em várias partes do mundo, entre eles, a European Sunday Alliance. São iniciativas dispersas, mas que convergem para um só fim. De certa forma, poderíamos falar em um movimento global, apesar de desconexo, em torno do domingo. Porém, ações coordenadas há décadas pelo Vaticano postulam o papa como a liderança catalisadora desse processo. Nas encíclicas e nos discursos, a defesa católica do domingo agrega todos os argumentos, sejam religiosos ou seculares em favor da observância do primeiro dia da semana, esboçando o cenário de Apocalipse 13.

Clímax escatológico

Na escatologia adventista, a controvérsia entre o sábado e o domingo estará no centro do embate final entre Cristo e Satanás e seus respectivos instrumentos humanos. Esse clímax só se dará quando a maior potência da Terra, instigada por um protestantismo corrompido, promulgar leis que violem a consciência e imponham observâncias religiosas. “A fim de formarem os Estados Unidos uma imagem da besta, o poder religioso deve a tal ponto dirigir o governo civil que a autoridade do Estado também seja empregada pela igreja para realizar os seus próprios fins.”[4]

Por outro lado, é importante lembrar que a controvérsia final implicará não só na aceitação do domingo, mas numa rejeição do sábado bíblico. “Ao rejeitarem os homens a instituição que Deus declarou ser o sinal de Sua autoridade, e honrarem em seu lugar a que Roma escolheu como sinal de sua supremacia, aceitarão, de fato, o sinal de fidelidade para com Roma – ‘o sinal da besta’. E somente depois que esta situação esteja assim plenamente exposta perante o povo, e este seja levado a optar entre os mandamentos de Deus e os dos homens, é que, então, aqueles que continuam a transgredir hão de receber ‘o sinal da besta’”.[5]

Reflexão

Ainda não chegamos a esse ponto. Utilizando as palavras de Ellen White, a “situação” não está “assim plenamente exposta perante o povo”. Os poderes políticos ainda não estão subjugados pelos interesses eclesiásticos, embora já exista forte pressão nesse sentido nos EUA e mesmo em outros países como o Brasil, com suas bancadas religiosas no Congresso. Contudo, acontecimentos aparentemente dispersos e irrelevantes devem estar na mira. Há uma afinidade entre eles.

Ao mesmo tempo em que devemos fugir de uma atitude de alarmismo, precisamos estar atentos. Em meio à vasta complexidade do mundo atual, os atores do drama final caminham pouco a pouco para o grande desfecho, o que pode não parecer muito evidente. O clímax escatológico previsto em Apocalipse 13 ainda não aconteceu, mas está a caminho. Precisamos nos aprofundar na comunhão com Deus, por meio do estudo da Palavra, da oração e do testemunho. Somente uma dependência total do Senhor nos ajudará a ter o discernimento necessário para compreender o momento em que vivemos e a permanecer firmes quando a hora finalmente chegar.

Leia mais:

Compilação de Ellen White sobre leis dominicais (em espanhol): http://revistaadventista.editorialaces.com/index.php/2016/04/01/libertad-religiosa/

Editorial “La marca de la bestia”: http://revistaadventista.editorialaces.com/index.php/2015/12/11/la-marca-de-la-bestia/

[1] Declaración de la Iglesia Adventista Respecto de los Proyectos de Ley para Imponer el Cierre Obrigatorio de los Establecimientos Comerciales Los Domingos.  Pr. Carlos Gill Krüg, presidente da União Argentina. 29 de agosto de 2013. Disponível em: http://www.libertadreligiosa.org.ar/web/ComunicadosAdventistas.htm#DominicalDeclaracionArg

[2] Veja uma lista de iniciativas de aprovação de leis dominicais na Argentina e no mundo:  http://www.libertadreligiosa.org.ar/web/legislaciondominical.htm

[3] Nichol, F. D. Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia. Tatuí-SP: Casa Publicadora Brasileira, vol. 7, p. 910, 2014.

[4] White, Ellen G. O Grande Conflito, p. 443.

[5] Ibid., p. 449.

Diogo Cavalcanti

Diogo Cavalcanti

Apocalipses

O universo das profecias bíblicas e suas respostas para as inquietações atuais

Formado em Teologia e em Comunicação Social, e pós-graduado em Letras, trabalha na Redação da Casa Publicadora Brasileira (CPB). É um dos editores de livros, entre eles, o Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia.