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Coluna | Diego Barreto

Velhos e novos tesouros

O reino de Deus é uma visão somente do passado, somente do futuro ou um equilíbrio entre os dois?


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Que estamos vivendo um mundo em transição, não há qualquer dúvida. A maneira como iremos lidar com ele é que tem sido a dúvida de todos. E como toda transição, essa mudança se reflete cristalinamente entre as gerações presentes. Hoje eu não vim escrever esse texto para questionar os lados ou tentar resolver essa tensão geracional. Sempre presente, aliás, mas exacerbada agora pela transição de eras em nosso mundo, desde táxis e Ubers, hotéis e AirBnBs, empresas de telefonia e Whatsapp.

O motivo desse texto é outro. Está mais para a celebração das diferenças do que a ênfase em uma delas. O próprio Jesus já tinha nos avisado que essa tensão entre gerações nunca se resolve quando afirmou que “vinho novo não entra em odre velho” (Marcos 2:22) e vice-versa. Sabemos que quem já está com sua visão de mundo consolidada não consegue mais transformá-la enquanto que quem está com sua visão de mundo em confecção está se adaptando o tempo todo. Até que o tempo o impeça de mudar, e ele também se torne um odre velho diante de um novo tempo.

Com tudo isso em vista, e com o objetivo de celebrar o equilíbrio que essa tensão geracional traz ao mundo, venho hoje abrir um outro texto da Bíblia, das palavras de Jesus, que também lançam luz à contemporaneidade: “Por isso, todo escriba versado no reino dos céus é semelhante a um pai de família que tira do seu depósito coisas novas e coisas velhas”. Mateus 13:51

Aqui está uma verdade importante e quase sempre obliterada. Não importa o quanto você conheça de Bíblia ou quanto tempo tenha de ministério pastoral, ou de experiência religiosa, ou qual tenha sido sua convivência na liderança de igrejas, o evangelho nunca é uma composição apenas de coisas velhas e antigas. Muitos têm a tendência de se apoiar em tradições e verdades antigas. Como as que nos foram ensinadas há anos em nossa fase de conversão. Fase essa que sempre é revista em memória com um filtro cor-de-rosa que parece tornar belo e santo somente os dias do passado saudoso. Mas o evangelho claramente, nas palavras de Cristo, não se faz só do que é antigo e velho.

O mesmo pode ser dito quanto ao que é novo. Não importa o quão jovem você seja, o quão antenado nos “paranauês” da vida contemporânea, o quão criativo e talentoso seja, o evangelho não se faz apenas de coisas novas. Nem só de inovação vive o Reino dos céus. Nem tudo que está no futuro será bom. O filtro dos óculos de um jovem não é cor-de-rosa, mas é azul. E tudo no futuro, para onde ele costuma olhar, pinta-se com as cores do acerto. Mas a tensão entre gerações, nossa eterna companheira, está aí para nos provar que nenhuma geração passa sem cometer erros, e a novidade do futuro trará cedo ou tarde suas próprias derrotas e fracassos.

Cristo avisa que “todo escriba versado no Reino dos Céus”, ou seja, todos aqueles que conhecem bem o seu Reino e têm experiência em viver neste Reino saberão equilibrar as forças. Principalmente aqueles que ocupam a posição de “pai de família” e exercem liderança sobre outros. O cuidado pelos outros é o que motiva esse tipo de líder que não está apaixonado nem pelo passado nem pelo futuro; sua paixão são “seus filhos”, “sua família”, sua gente, pessoas.

Às vezes nós nos perdemos do amor às pessoas, ou seja, do amor de Deus, pelo amor por nossos próprios ideais, opiniões e princípios. Viramos torcedores do novo ou conservadores do antigo em nome somente de nossos próprios interesses pessoais e visão de mundo. Jesus avisa que aquele que conhece bem o Reino dos céus equilibrará, e saberá retirar tesouros velhos e novos para dar aos seus. O evangelho não é só histórico, ele também é profético! Não é só profético, mas também está na história! Sabemos que a igreja não pode e nem deve ficar parada no tempo. Ela precisa avançar adiante, seguir criando, crescendo e inovando. Ela precisa retirar da própria Bíblia coisas novas. Afinal de contas; “a Reforma não terminou com Lutero, como muitos supõem. Continuará até ao fim da história deste mundo. Lutero teve grande obra a fazer, transmitindo a outros a luz que Deus permitirá brilhar sobre ele; contudo, não recebeu toda a luz que deveria ser dada ao mundo. Desde aquele tempo até hoje, nova luz tem estado continuamente a resplandecer sobre as Escrituras, e novas verdades se têm desvendado constantemente” (Ellen White, O Grande Conflito, página 148, Grifo nosso). “Necessitam-se homens que orem a Deus pedindo sabedoria, e que, sob a guia de Deus, introduzam nova vida nos velhos métodos de trabalho e possam imaginar novos planos e novos métodos para despertar o interesse dos membros da igreja e alcançar os homens e mulheres do mundo” (Ellen White, Beneficência Social, página 96, Grifo Nosso).

Ao mesmo tempo, sabemos que tudo que é novo um dia envelhece, e mesmo as mais novas descobertas bíblico-teológicas um dia terão de se suster no tempo. Muito do que é princípio, conhecimento e fé está baseado nas descobertas do passado, naquilo que já foi revelado a tempos e que hoje pavimenta nosso caminhar adiante.

Por isso, eu convido você a reconhecer que tipo de óculos você usa mais: rosa ou azul? E a partir daí buscar um equilíbrio cada vez maior usando também “aquele óculos” tão diferente do seu. Esse não é um texto para reforçar a posição dos “velhos” ou a posição dos “novos”. É um texto que convida ambos ao equilíbrio de olhar para o outro lado e reconhecer também suas virtudes, seja de que lado você estiver. Porque não existe Reino sem o equilíbrio saudável e natural entre coisas novas e coisas velhas. Palavras de Jesus.

Diego Barreto

Diego Barreto

O Reino

Vivendo já o Reino de Deus enquanto Ele ainda não voltou. Um olhar cristão sobre o mundo contemporâneo.

Teólogo, é co-autor do BibleCast, um podcast sobre teologia para jovens, e produtor de aplicativos cristãos para dispositivos móveis. Atualmente é pastor nos Estados Unidos.