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Coluna | Adolfo Suárez

A importância da disciplina na vida de uma criança

Disciplina e correção fazem parte da relação entre pais e filhos no processo de crescimento e desenvolvimento


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Foto: Shutterstock

Uma vida disciplinada é fundamental para uma vida de sucesso. Mas, por que a disciplina é tão importante? E como ela nos permite construir cidadãos melhor preparados e maduros? De modo mais específico: Por que a disciplina é essencial para as crianças?[1] Quero apresentar cinco respostas a essas perguntas.

  1. A disciplina é parte da educação infantil

Inicialmente, a disciplina é parte da educação, e a educação na infância determina em grande medida o caráter do adulto. De modo que a disciplina não é um mero capricho dos pais ou professores, mas um componente inerente do processo educacional, e terá seus reflexos na vida jovem e adulta, conforme vemos na seguinte afirmação:

A disposição e os hábitos da juventude muito facilmente se manifestam na idade madura. Podeis curvar uma árvore nova em quase qualquer forma que desejardes, e se ela permanecer e crescer como a pusestes será uma árvore deformada, denunciando sempre o dano e o mau trato recebido de vossas mãos. Podeis, depois de anos de crescimento, procurar endireitá-la, mas todos os esforços se demonstrarão infrutíferos. Ela será sempre uma árvore torta. Tal é o caso com a mente das crianças. Estas devem ser cuidadosa e ternamente educadas na infância. Podem ser exercitadas na devida direção ou em direção errada, e em sua vida futura seguirão aquela em que foram dirigidas na juventude. Os hábitos então formados crescerão cada vez mais e cada vez mais se fortalecerão, e geralmente o mesmo ocorrerá na vida posterior, apenas se tornando sempre mais fortes.[2]

O processo disciplinar é difícil, e, portanto, pouco agradável, posto que em momentos se mostra-se contrário à natureza infantil que tende ao desejo de liberdade ilimitada. A citação a seguir esclarece essa ideia:

A negligência dos primeiros ensinos à criança e o consequente fortalecimento das más tendências, tornam sua educação posterior mais difícil e fazem com que a disciplina seja muito frequentemente uma operação penosa. Penosa deve ser para a natureza inferior, contrariando, como faz, aos desejos e inclinações naturais; mas tais penas devem-se perder de vista na perspectiva de uma maior alegria.[3]

Balter e Shreve afirmam que, embora algumas décadas atrás a educação infantil fosse negligenciada, com os avanços possibilitados pela psicanálise ficou mais claro que as experiências da primeira infância desempenham “um papel significativo e profundo nas relações adultas. Portanto, o temperamento, a idade, as necessidades e o desenvolvimento de uma criança deveriam ser levados em conta durante sua educação”.[4]

No entanto, os benefícios da disciplina não devem ser considerados apenas em termos de futuro. James Dobson, por muitos anos professor de pediatria da Escola de Medicina da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, afirma que as crianças crescem “melhor numa atmosfera de amor genuíno, circundada por disciplina racional, coerente”.[5] Falando ainda a respeito da necessidade da disciplina no universo infantil, o professor Dobson completa:

Em dias de uso difuso de drogas, imoralidade, moléstias transmitidas sexualmente, vandalismo e violência, não devemos depender de esperança e sorte para moldar as atitudes críticas que valorizamos em nossos filhos. A permissividade não apenas fracassou como enfoque na educação infantil, mas tem sido um desastre para quem a experimentou.[6]

A disciplina é fundamental na infância a fim de moldar a vida do adulto. Além do mais, podemos pensar que o desejo de “liberdade ilimitada”, além de ser de natureza infantil, nega a própria noção de liberdade humana. E, como já vimos, liberdade não é autossuficiência e nem independência. Diríamos, então, que esse desejo ilimitado que toma conta do ser humano é uma forma de escravidão. E escravidão é justamente o que o ser humano não quer, mas à qual corre o risco de se sujeitar, pois, enquanto a liberdade permite a não sujeição – e por isso é liberdade – a escravidão não contempla a liberdade – e por isso é escravidão.

  1. A disciplina prepara a criança para o bom convívio

Em segundo lugar, a disciplina prepara a criança para conviver melhor com outras pessoas. Ou seja, a criança deve ser disciplinada porque isso facilita o convívio social. Neste sentido,

Uma das primeiras lições que a criança precisa aprender é a lição da obediência. Antes que ela tenha idade suficiente para raciocinar, pode ser ensinada a obedecer. Deve estabelecer-se o hábito por meio de um esforço brando e persistente. Assim se podem evitar em grande parte aqueles conflitos posteriores entre a vontade e a autoridade, os quais tanto concorrem para criar hostilidade e amargura para com os pais e professores, e muito frequentemente, resistência a toda autoridade, humana ou divina.[7]

Ao falar sobre os objetivos da disciplina no contexto escolar, Imídeo Nérici afirma que possibilitar um convívio social positivo, com o mínimo possível de atrito, em ambiente de cooperação e altruísmo, é uma das metas a ser alcançadas pela disciplina.[8] E como sabemos que “não se pode viver com outras pessoas sem normas comuns”, [9] é, então, importante respeitar regras no processo de socialização. A respeito disto, Victoria Camps, catedrática de Filosofia Moral da Universidade Autônoma de Barcelona, afirma:

A finalidade das normas é o autodomínio, o fato de que as normas sejam interiorizadas e seja o próprio sujeito quem as imponha a si mesmo. Damos a isso o nome de “liberdade”, que não é a ausência de normas, mas a aceitação autônoma, livre, do que se deve fazer.[10]

Em síntese, conviver com os outros exige viver de maneira organizada, não apenas por questão de ordem, mas a fim de sentir-se seguro entre os outros e saber a que ater-se.[11] E embora a liberdade não seja um absoluto, “não poderia dar-se se carecêssemos de restrições, que são as que a tornam possível”.[12]

  1. Uma criança indisciplinada não sabe usar sua liberdade

Um terceiro aspecto é que uma criança indisciplinada – vivendo sem restrições – não sabe usar sua liberdade. Ou seja, a disciplina colabora no aprendizado do uso da liberdade. A criança disciplinada aprende a admitir as restrições que outros lhe colocam e, consequentemente, pode desfrutar mais da sua própria liberdade. Atente para esta citação:

Não tendo nunca aprendido a governar-se, os jovens não admitem restrições a não ser as exigências dos pais ou professor. Removidas estas, não sabem como fazer de sua liberdade, e com frequência se entregam a condescendências que vêm a ser sua ruína.[13]

Um resultado do mau uso da liberdade é o risco de ser escravizado por maus hábitos. A disciplina possibilita que a criança viva longe de hábitos destrutivos, submetendo-se às diretrizes das leis de Deus:

O maior mal que se possa fazer a uma criança ou jovem é consentir que se fixe na escravidão dos maus hábitos. Os jovens têm um inato amor à liberdade; desejam a independência; precisam compreender que estas inestimáveis bênçãos devem ser desfrutadas unicamente na obediência à lei de Deus. Esta lei é a preservadora da verdadeira independência e liberdade. Ela nos aponta e proíbe as coisas que degradam e escravizam, e desta maneira proporciona ao que lhe obedece proteção contra o poder do mal.[14]

  1. A disciplina ajuda a enfrentar a vida

A disciplina é importante porque ajuda a criança a enfrentar as durezas impostas pela vida. Uma criança disciplinada está sendo preparada para uma séria e inexorável realidade que enfrentará ao longo de sua existência: a vida lhe imporá severa disciplina, e se ela aprender isso na infância, não terá dificuldades de viver uma vida adulta responsável. A esse respeito, creio ser significativa a citação a seguir:

Depois da disciplina do lar e da escola, todos terão de enfrentar a severa disciplina da vida. Como enfrentá-la sabiamente, é a lição que se deve explicar a toda criança e jovem. É verdade que Deus nos ama, que Ele está trabalhando para a nossa felicidade, e que, se Sua lei tivesse sempre sido obedecida, jamais teríamos conhecido o sofrimento; não menos verdade é que neste mundo, como resultado do pecado, sobrevêm à nossa vida sofrimentos, perturbações e cuidados. Podemos proporcionar às crianças e jovens um bem para toda a vida, ensinando-os a enfrentar corajosamente estas dificuldades e encargos. Conquanto lhes manifestemos simpatia, que isto nunca seja de maneira a alimentar-lhes a compaixão de si mesmos. Eles necessitam daquilo que estimula e fortalece, ao invés de enfraquecer.[15]

  1. A disciplina colabora com uma vida de sucesso

Finalmente, a disciplina permite uma vida de sucesso. Isso porque “toda falta, toda dificuldade e todo erro vencidos se tornam um degrau no acesso a coisas melhores e mais elevadas”. De maneira que “é mediante tais experiências [as dificuldades da vida] que todos os que tornaram a vida digna de ser vivida, alcançaram êxito”.[16] O psicólogo Yves de La Taille afirma que a existência de limites restritivos faz parte da “vida boa”, sendo necessários para alcançá-la e usufruí-la. Neste caso, a educação e os educadores devem ajudar as crianças a construir e valorizar tais limites.[17]

Os cinco fatores acima mencionados devem ser compreendidos na perspectiva de que “o objetivo da disciplina é ensinar à criança o governo de si mesma. Devem ensinar-se-lhe a confiança e direção próprias”.[18] Por causa disso, é importante que a criança participe do processo disciplinar a fim de aprender a ser autocontrolada, pois se entende que a pessoa que apenas confia no juízo dos outros, mais cedo ou mais tarde certamente será corrompida, influenciada negativamente.[19] O ensino do autocontrole pode conferir autonomia à criança, o que pode ser decisivo para ela aprender a fazer, acertadamente, boas escolhas, bem como administrar suas decisões, assumindo a responsabilidade por elas.

Disciplina e autonomia

Sabemos que autocontrole tem a ver com autonomia, pois apenas uma criança autônoma pode exercer autocontrole adequado. E é Paulo Freire quem afirma a importância de “estimular a necessidade de autonomia ou de autoafirmação a uma criança tímida ou inibida”.[20] Podemos sustentar, então, que a criança devidamente estimulada em sua autonomia pode exercer adequadamente seu autocontrole. E isto é fruto do processo disciplinar.

Por outro lado, a criança deixada à sua própria vontade terá problemas mais adiante quando enfrentar provas e frustrações, pois poderá demonstrar o hábito de agir por impulso. A impulsividade é um dos grandes males decorrentes da falta de disciplina ou limites. O que vemos no parágrafo a seguir é uma espécie de resultados de uma educação que concede “liberdade absoluta”, onde a criança se comporta conforme deseja, sem nenhuma espécie de controle:

É impossível descrever os males que resultam de deixar a criança entregue à sua própria vontade. Alguns que se extraviam porque são negligenciados na infância, mais tarde, incutindo-se-lhes lições práticas, voltarão a si; mas muitos se perdem para sempre porque na infância e juventude receberam apenas uma cultura parcial, unilateral. A criança que é assim prejudicada tem um pesado fardo a levar por toda a vida. Nas provações, nos desapontamentos, nas tentações, ela seguirá sua vontade indisciplinada e mal dirigida. As crianças que nunca aprenderam a obedecer, terão caráter fraco e impulsivo. Procuram governar, mas não aprenderam a sujeitar-se. Não têm força moral para restringir seu temperamento extravagante, corrigir seus maus hábitos ou subjugar a vontade insubmissa. Os erros de uma infância inexperiente e indisciplinada tornam-se a herança de homens e mulheres maduros. O intelecto pervertido mal pode discernir entre o verdadeiro e o falso.[21]

Uma criança sem autocontrole poderá ser uma criança impulsiva, que não tem domínio sobre suas ações, o que lhe pode trazer graves prejuízos. Deste modo, não saberá lidar apropriadamente com sua liberdade.

Quando se fala em disciplina, o propósito não é meramente afirmar que a pessoa precisa se submeter a um código de conduta. O que se enfatiza é a necessidade de que cada pessoa desenvolva o autocontrole a fim de ser capaz de tomar suas próprias decisões. Neste processo, a escola e o lar são muito importantes, e possuem o desafio não apenas de executar um processo pedagógico, mas suscitar um estilo de vida. Esta preocupação toda vai no sentido de ajudar a tomar cuidado com a “a ilimitada liberdade permitida aos filhos hoje em dia”, a qual “tem-se provado a ruína de milhares”.[22] Permanece o desafio de pais e escolas praticarem uma educação suficientemente autônoma e ao mesmo tempo responsável, pois é muito fácil defender “velhas ou novas certezas e decidir, sem nuanças, colocar severamente inúmeros limites ou, pelo contrário, abdicar de vez desse papel”.[23]

De algo podemos ter certeza: a disciplina conduzida de maneira equilibrada colabora no desenvolvimento de crianças e jovens maduros, pois “a criança que não sabe quais são os seus limites de comportamento, sente-se também insegura e não amada. Ela encontra liberdade quando conhece com certeza esses limites”.[24] Esse conhecimento pessoal resulta no autocontrole, possível por uma educação que foca sua atenção na liberdade humana.

 

[1] Neste artigo, tomo como referência os escritos e a perspectiva de Ellen G. White, pioneira da Igreja Adventista do Sétimo Dia; ela foi uma escritora prolífica, havendo discorrido sobre diversos temas. Uma de suas abordagens altamente instrutivas é relacionada ao assunto da disciplina. Basicamente, esta análise se baseia no seu principal livro educacional, chamado Education.

[2] WHITE, Ellen G. Counsels on Education, p. 13.

[3] WHITE, Ellen G. Education, p. 295, 296.

[4] BALTER, Lawrence e SHREVE, Anita. Quem Controla Quem: Pais ou Filhos? 2ª ed. Tradução de Lila Spinelli. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 10.

[5] DOBSON, James. Ouse Disciplinar. São Paulo: Vida, 2004, p. 10.

[6] Idem.

[7] WHITE, Ellen G. Education, p. 287.

[8] NÉRICI, Imídeo G. Didática: Uma Introdução. São Paulo: Atlas, 1992, p. 238.

[9] CAMPS, Victoria. O Que se Deve Ensinar aos Filhos. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 90.

[10] Idem.

[11] Ibidem, p. 92.

[12] Ibimde, p. 96.

[13] WHITE, Ellen G. Education, p. 288.

[14] WHITE, Ellen G. Education, p. 291.

[15] Ibidem, p. 295.

[16] Ibidem, p. 296.

[17] LA TAILLE, Yves de. Limites: Três Dimensões Educacionais, p. 61.

[18] WHITE, Ellen G. Educação, p. 287.

[19] Ibidem, p. 231.

[20] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia, p. 34.

[21] WHITE, Ellen G. Counsels to Parents, Teachers, and Students, p. 112, 113.

[22] WHITE, Ellen G. Fundamentals of Christian Education, p. 63.

[23] LA TAILLE, Yves de. Limites: Três Dimensões Educacionais, p. 65.

[24] DRESCHER, John M. Sete Necessidades Básicas da Criança. São Paulo: Mundo Cristão, 1999. p. 81.

Adolfo Suárez

Adolfo Suárez

Ouvindo a voz de Deus

Reflexões sobre teologia e dom profético

Teólogo e educador, é o atual reitor do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia (SALT) e Diretor do Espírito de Profecia da DSA. Mestre e doutor em Ciências da Religião, com pós-doutorado em Teologia, é autor de diversos livros, e membro da Adventist Theological Society e da Society of Biblical Literature.